Artigo do Dr. Clóvis Constantino, presidente da SBP
12 de outubro é Dia das Crianças. Boa oportunidade para refletir sobre o que ofereceremos em qualidade de vida aos pequenos que estão por vir à luz. Não existe nada mais valioso do que cuidar da saúde deles. Zelar pelo bem-estar das próximas gerações, a propósito, é um bem que se deve cultivar diariamente, inclusive muito antes do nascimento.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) considera imperioso informar às futuras mamães sobre a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). Trata-se de doença grave e irreversível que compromete o desenvolvimento cerebral de bebês, provoca anomalias congênitas, como problemas cardíacos e fenda do palato, entre outros problemas de saúde.
A SAF é provocada pelo consumo de álcool durante a gestação. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, tem prevalência estimada em 1 caso para cada 1.000 nascidos vivos. Contudo, o número certamente é bem maior em virtude da subnotificação consequente do desconhecimento sobre a doença entre médicos, profissionais de saúde e polulação, da dificuldade de diagnóstico e ainda do crescimento do consumo de bebidas alcóolicas entre as mulheres.
Estudos internacionais apontam que a prevalência é maior em populações vulneráveis sócio-economicamente. Esse achado científico é corroborado, em território nacional, por pesquisa de meados de 2014, com 2 mil puérperas do Hospital Municipal Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha: 33% das acompanhadas bebiam mesmo esperando um bebê. O mais grave: 22% consumiram álcool até o dia de dar à luz.
Seja de médicos, de familiares, de amigos ou de conhecidos, gestantes escutam à exaustão que não se deve ingerir bebidas alcoólicas durante a gravidez. A recomendação, no entanto, costuma ser vaga e muitas vezes não responde às perguntas feitas pelas futuras mamães: Por quê? Quais são os riscos? Existe consumo seguro? Como o álcool afeta o bebê?
O espectro de desordens fetais alcoólicas, do inglês Fetal Alcohol Spectrum Disordes, FASD, está sempre à espreita de crianças expostas à bebida no útero. Elas podem ter atrasos de memória, fala, audição e atenção, dificuldades na aprendizagem escolar, especialmente em matemática, e no relacionamento interpessoal.
Quando crescem, correm o risco de se tornar adultos com problemas de saúde mental e de comportamento, desrespeitando leis, consumindo drogas e demonstrando dificuldades com o emprego, conduta sexual inadequada e dependência física e emocional.
A situação se agrava ao entrar em cena a Síndrome Alcoólica Fetal, SAF, a mais séria das desordens do espectro FASD. Crianças portadoras da SAF completa manifestam não apenas alterações comportamentais, como também físicas desde o nascimento – mais de 400 já foram listadas, mas as principais delas são a microcefalia, isto é, cabeça e crânio pequenos, e as dismórficas faciais típicas, como olhos pequenos, lábio superior fino e fissuras palpebrais curtas.
Além disso, os bebês com a síndrome tendem a crescer de forma lenta dentro do útero e a apresentar, já nascidos, baixo peso relativo à altura, deformidades nas articulações, problemas no coração, nos rins e nos ossos. Estima-se que para cada indivíduo com a SAF completa, existam ao menos 10 com outras desordens em todo o mundo. Isso corresponde de 1% a 3% da população geral.
Embora essas alterações variem de pessoa para pessoa e dependam da quantidade de álcool ingerido ao longo da gravidez, é preciso salientar que não há nível seguro de consumo; adotar abstinência total é a única maneira de prevenir as doenças. O conteúdo de qualquer “copinho” inocente pode atravessar a proteção da placenta e diminuir a quantidade de oxigênio enviada ao feto, prejudicando o desenvolvimento cerebral e a formação óssea.
Por colocarem em risco o aleitamento materno, bebidas também são desaconselhadas depois do nascimento. O álcool é transferido para o leite entre 30 e 60 minutos após a ingestão, e pode alterar o cheiro e o sabor, levando o bebê a recusar o alimento, e reduzir sua produção, pois inibe a fabricação do hormônio prolactina, responsável por ela. Sonolência, sudorese, sono profundo, fraqueza e, por conseguinte, ganho anormal de peso, diminuição do crescimento linear e outros riscos rondam os pequenos.
Rertornando à análise de dados brasileiros: são localizados e insuficientes. Estimativas mundiais indicam que uma em cada 13 mulheres que bebem durante a gestação darão à luz um bebê com FASD, o que resulta no nascimento 630.000 portadores de desordens fetais alcoólicas todos os anos ao redor do globo.
Importante frisar que essas crianças podem sim viver com mais qualidade se submetidos, o mais cedo possível, a um bom acompanhamento com obstetras, pediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais; entretanto, como estamos falando de doenças sem cura ou tratamento exato, o melhor caminho sempre será evitá-las antes que surjam.
Uma palavra que deve sempre permanecer no nosso radar é moderação. Quando de gestação, zero álcool. Levantamento realizado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), com dados do DATASUS 2021, apontam que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, caracterizado pela ingestão de quatro ou mais doses, cresceu 4,25% entre as brasileiras na última década. Investigar as razões por trás do aumento é urgente. Vidas de mães e filhos, afinal, estão em jogo.
Neste 9 de setembro, aliás, durante todo o mês e também em outubro, em razão do Dia das Crianças (12), a Sociedade Brasileira de Pediatria realizará uma série de ações de conscientização em sua campanha permanente #gravidezsemálcool, ao lado da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e do Instituto Olinto Marques de Paulo (IOMP), Associação Médica Brasileira e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Vale acompanhá-las, para obter informações cientificamente sólidas e não dar brecha para a SAF. Fica a dica: se ama, não beba. Seu bebê será saudável e teremos novas geraçoes mais felizes.
Clóvis Francisco Constantino, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria