Nota de esclarecimento Academia Brasileira de Neurologia, SBAVC e WSO
Sobre trombectomia mecânica no SUS, no tratamento de AVC isquêmico (AVCi)
Em 27 de novembro de 2023 foi publicada a Portaria GM/MS nº 1996/2023, que operacionaliza o financiamento da trombectomia mecânica no SUS, no tratamento de AVC isquêmico (AVCi).
Destacamos, de início, o longo caminho trilhado até chegarmos a este momento: As primeiras portarias ministeriais que implantaram o financiamento do trombolítico para o AVC isquêmico no SUS e estabeleceram os critérios técnicos para os Centros de Atendimento de Urgência ao AVC e Unidades de AVC (publicadas em 2012 e revisadas em 2015) – Centros tipos I, II e III; em 2015, a publicação dos estudos pivotais internacionais de trombectomia, trazendo robusta evidência clínica da eficácia deste tratamento; em 2020, a publicação do estudo clínico RESILIENT na revista New England Journal of Medicine, estudo brasileiro financiado pelo Ministério da Saúde e conduzido pela Rede Nacional de Pesquisa em AVC, e que foi realizado com sucesso em diversos hospitais de referência em AVC no Brasil. Após esses resultados, o início dos trâmites governamentais para a incorporação da trombectomia no SUS, através de estudos técnicos, elaboração de revisões sistemáticas e do PCDT (Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas) de AVCi por oclusão de grande vaso, seguidos por consulta pública e, finalmente, a publicação da portaria ministerial com a incorporação da trombectomia no SUS, após parecer favorável da CONITEC, no ano de 2021.
Toda essa jornada teve a participação e o empenho de vários personagens: profissinais de saúde e times de pesquisa dos centros participantes do estudo RESILIENT, porta de entrada para que o governo federal liberasse a tecnologia, e estudo importante na convergência de ideias e ações entre técnicos e agentes públicos, para serem costuradas e conquistadas as diversas políticas públicas direcionadas ao AVC que temos hoje no país.
Destacamos a luta incansável de diversas gestões da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC) e da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), através do seu Departamento Científico de Doenças Cerebrovasculares, Neurologia Intervencionista e Terapia Intensiva em Neurologia, que atuaram sempre de forma coordenada nas tratativas com os órgãos governamentais e da Rede Brasil AVC, que foi criada em 2008 para trabalhar apoiando o Ministério da Saúde na elaboração e implementação da Linha de Cuidado do AVC. Salientamos ainda o apoio constante da World Stroke Organisation (WSO), sociedade global da qual a SBAVC é filiada, que auxilia e apoia as sociedade parceiras (ABN, SBAVC, SBNR, Rede Brasil AVC, ABAVC, Ação AVC) anualmente com as campanhas do Dia Mundial do AVC, bem como com as certificações dos centros (Certificação WSO/SIECV). Destacamos, por fim, o apoio incondicional dos colegas da Neurorradiologia Intervencionista dos centros de AVC parceiros, que nos ajudaram nas especificações técnicas do procedimento e materiais envolvidos, durante as tratativas de finalização dos documentos da atual portaria da trombectomia.
A recente Portaria Ministerial, de forma clara e objetiva, além de listar os centros iniciais habilitados (centros participantes do estudo RESILIENT já avaliados e que tinham os critérios necessários exigidos pelo Ministério da Saúde para habilitação), detalha os critérios técnicos para a habilitação de novos centros de AVC para realizar trombectomia mecânica, no seu artigo 5º. Estes centros devem ter:
1- Habilitação como: 16.01 – Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Neurologia/Neurocirurgia ou 16.02 – Centro de Alta Complexidade em Neurologia/Neurocirurgia, e também com o Serviço/Classificação: 105/007 – Serviço de Atenção em Neurologia/Neurocirurgia/Tratamento Endovascular;
2- Habilitação como: 16.17 – Centro de Atendimento de Urgência Tipo III aos Pacientes com AVC; e
3- Homologação da solicitação de habilitação pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB), de seu estado.
Portanto, observa-se que não há, na redação da portaria publicada, nenhum condicionante dos novos centros terem ou não tido participação no estudo RESILIENT, diferentemente de informações equivocadas publicadas e disseminadas de forma massiva em redes sociais.
Os critérios técnicos da nova portaria expressam exatamente as evidências científicas que apontam a linha de cuidado do AVC como um fluxo, uma jornada com múltiplas etapas, envolvendo desde organização de rede de atendimento ao AVC, envolvimento do pré-hospitalar (SAMU), protocolos de atendimento hospitalar, montagem de equipe multidisciplinar (neurologistas, neurorradiologistas intervencionistas, neurocirurgiões, intensivistas, fisioterapeutas, fonoaudiologistas, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros e técnicos de enfermagem, etc), cuidados pós-agudos, apoio na investigação etiológica e, finalmente, encaminhamento para reabilitação e prevenção secundária. Para oferecer o tratamento hospitalar de maior tecnologia na ponta desta engrenagem (a trombectomia), é crucial haver a estrutura organizada de rede de atendimento pré, intra e pós-tratamento endovascular.
A ABN, a SBAVC e as sociedades e associações parceiras estarão empenhadas em apoiar o início da escalada de capacitações, na preparação de equipes e hospitais, na organização de redes locais e na sensibilização de gestores e secretarias de saúde, para que mais hospitais possam conseguir os credenciamentos exigidos pelos órgãos governamentais.
Incentivando os hospitais a se qualificarem, disponibilizamos no site da SBAVC (avc.org.br), desde o momento da publicação da portaria, um passo a passo de como realizar o credenciamento para estas novas habilitações.
Em breve, a SBAVC liderará um grupo de trabalho e mentoria para auxiliar os hospitais interessados no credenciamento das habilitações junto ao Ministério da Saúde. O objetivo será organizar os centros de AVC para escalar o tratamento agudo para um número maior de pacientes, reduzindo a desigualdade de acesso ao tratamento no nosso país.
Maramélia Araújo de Miranda Alves
Presidente da SBAVC
Sheila Cristina Ouriques Martins
Presidente da WSO
Carlos Roberto de Mello Rieder
Presidente da ABN