Chega de “faz de conta” na saúde
Fazer de conta é um recurso natural em certa fase do desenvolvimento da criança, em seu necessário exercício da imaginação; do processo criativo. Mas, no Brasil, infelizmente, fazer de conta é subterfúgio usual para aqueles que dissimulam soluções com o intuito de acalmar o clamor social, tirar vantagem pessoais, ou alavancar votos durante as campanhas eleitorais.
Na seara da Saúde, faz-se de conta que a resposta para os problemas da assistência básica à população nos municípios desatendidos é o programa Mais Médicos, lançado pelo governo no final de 2013 – véspera das eleições – e ainda abafando a reação das entidades e dos profissionais médicos brasileiros que, conscientes dos riscos, denunciaram os graves pontos fracos da iniciativa, visivelmente eleitoreira.
O resultado está aí, demonstrado no alarmante relatório do TCU. Segundo o documento, 95 cubanos do Programa Mais Médicos, recrutados em convênio com a OPAS, não alcançaram a pontuação mínima necessária no modo de acolhimento, que é um simples curso preparatório. Pelo menos 4.375 dos profissionais, 31,73%, trabalham sem supervisão, apontam os auditores. O relatório concluiu também que as atividades de tutoria, quando existentes, são executadas de maneira superficial.
Enquanto isso, no FIES (Fundo de Desenvolvimento Estudantil) o MEC e o FNDE fazem de conta que vão atender aos milhares de estudantes que necessitam do financiamento para poder levar adiante ou iniciar seus cursos universitários, após alcançarem as médias exigidas no Enem. Atribuem a instabilidades na plataforma a dificuldade dos alunos de concluírem ou renovarem suas matrículas. Na verdade, fora do mundo mágico do faz de conta, as instituições mudaram as regras do financiamento e cerca de meio milhão de alunos ficaram fora da universidade, muitos deles estudantes de medicina, curso com uma das mais altas mensalidades do país.
Um mero detalhe, diretamente lá do mundo da falácia, onde se diz que a educação está em primeiro lugar: o orçamento do FIES 2015 ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas o prazo de inscrição dentro da plataforma emperrada, vai até 30 de abril…
Como se não bastasse, os médicos recém-formados enfrentam a disputa de vagas no PROVAB (Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica): para os 15mil inscritos no Programa havia 3,7 mil vagas. Onze mil médicos brasileiros se candidataram, mas grande parte das vagas foi ocupada por integrantes estrangeiros que migraram do mundo do faz de conta do Mais Médicos, forjando uma especialização que não têm, para legitimar suas práticas temerárias e que colocam em risco a saúde e a vida da população.
No mundo do faz de conta, as entidades médicas (do mundo real) são alijadas do processo de formulação de políticas públicas, ignoradas pelas lideranças políticas quando argumentam ou propõem soluções aos críticos problemas da assistência à saúde no Brasil, massacradas por um marketing inescrupuloso que, detentor do capital, vem distorcendo a realidade, transformando o médico em vilão perante à opinião pública.
Ah, e essa sociedade aberta, vítima de todo esse faz de conta, mal pode entender a gravidade do problema, pois a ela não é exposta a verdade, pois verdade é palavra inexistente no dicionário desse mundo pseudo encantado!
A sociedade médica precisa acordar, sair da inércia de conforto e dar densidade à discussão. Precisa entender que erros foram cometidos e fazer proposições que os resolva. Se não for assim, se torna coparticipe do faz de conta.
Luciano Carvalho
Presidente da Associação Médica de Brasília