Médicos lançam iniciativa por ar limpo no Brasil
Em 26 outubro, a Associação Médica Brasileira, sociedades de especialidades e a Associação Paulista de Medicina, em parceria com o Instituto Saúde e Sustentabilidade, lançaram oficialmente a iniciativa Médicos pelo Ar Limpo – primeira coalização da Medicina em defesa da qualidade do atmosférica e do combate à mudança climática.
Embasar os gestores públicos e legisladores para suas decisões sobre os benefícios de se combater os gases poluentes e a crise climática, em prol da saúde e da economia, é um dos objetivos do engajamento. O evento reuniu especialistas embaixadores da causa e foi transmitido pelo YouTube – https://www.youtube.com/watch?v=xtdy7264kec.
O ar tóxico é responsável por 10% a 11% das mortes anuais em todo mundo. “O fim da pandemia trará de volta os níveis mais altos desse inimigo invisível. É um tema fundamental de grande ameaça à saúde humana que precisa ser discutido. Por isso, essa iniciativa tem o apoio total e irrestrito da AMB”, pontua o diretor Científico da Associação, José Eduardo Lutaif Dolci.
O diretor de Responsabilidade Social da Associação Paulista de Medicina, Jorge Carlos Machado Curi, enaltece a formação força-tarefa médica. Segundo ele, cada vez é mais perceptível o resultado nefasto do efeito estufa e da poluição atmosférica.
Curi reitera a importância médica nesse sentido, principalmente com a visibilidade maior em decorrência do combate à pandemia de Covid-19. “É uma tarefa que precisamos abraçar com muita força, tanto na prevenção, com a nossa opinião pública, quanto diagnóstico. Aqui, temos a atuação das nossas sociedades especialidades e seus tratamentos específicos, que envolvem até a reabilitação de pessoas acometidas com esse ar não definitivamente limpo como gostaríamos que estivesse.”
Histórico
A iniciativa parte de um manifesto lançado em dezembro do ano passado, pleiteando a adoção de resoluções mais modernas e eficazes para a redução da emissão de gases poluentes. A carta protocolada foi direcionada à Presidência da República, aos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. “Temos várias casas: o planeta, a cidade onde moramos, a nossa própria casa e a mais importante delas – o nosso corpo humano. Do macro à pequena célula, sofremos com as emissões tóxicas no ar que respiramos”, enfatiza Evangelina Vormittag, embaixadora da iniciativa e diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS).
Em janeiro de 2018, em Nairóbi, o Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) assinaram um acordo para intensificar ações conjuntas de combate à poluição do ar e às mudanças climáticas. “Esse acordo representa o maior avanço de conexão entre os temas saúde e meio ambiente em 15 anos no âmbito das Nações Unidas”, destaca a diretora.
Em 2019, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Iniciativa Ar Limpo para estimular governantes de todos os países a cumprirem compromissos em defesa da qualidade do ar. No mesmo ano, a OMS elencou a mudança do clima e a poluição do ar, juntas, como as primeiras ameaças em emergência de Saúde. E em 2021, é lançado o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) com revelações drásticas e emergenciais extremas.
“No que diz respeito às metas estabelecidas nos acordos, podemos destacar o incentivo ao monitoramento mais eficaz da qualidade do ar, o investimento em políticas de redução das emissões e o investimento em avaliações ambientais e de saúde mais precisas”, resume Evangelina.
Em específico no Brasil, o carbono negro – produzido principalmente através da combustão incompleta de biomassa sólida, carvão ou diesel – também provoca o aquecimento global e efeito estufa. É concentrado no Norte e Centro-Oeste em virtude de materiais particulados emitidos das queimadas nessas regiões. Em seguida, vêm as emissões de poluentes por transportes públicos e indústrias.
“Ainda no nosso País, temos apenas dez estados que monitoram a qualidade do ar. Não temos monitoramento nas regiões Norte e Nordeste, com exceção do Acre, por conta de uma iniciativa recente do Ministério Público e da Universidade Federal do Acre, que implementaram monitores de baixo custo em todos os seus municípios, trazendo talvez uma esperança de se resolver a falta de diagnóstico naquelas regiões”, informa a especialista. No estado de São Paulo, entre as cidades que monitoram a qualidade do ar, as industriais concentram o maior nível de poluentes, como Paulínia, Campinas, Cubatão e Santa Gertrudes.
Objetivos
A embaixadora da causa pontua os objetivos principais da iniciativa: difusão do conhecimento sobre os temas para a sociedade, conscientização e fortalecimento para suas escolhas em prol dos direitos fundamentais de proteção à saúde e à vida em um meio ambiente saudável; envolvimento da classe médica no combate à poluição atmosférica e mudança climática no dia a dia de seu trabalho; e apoio a gestores públicos e legisladores para decisões nesse sentido.
Inspirada em campanhas mundiais de médicos – como Doctors Against Diesel, Inspire, Mothers and Others for Clean air, Wood Smoke e Doctors Environment -, a atuação se dará através de ações integradas com a classe médica para a produção de campanhas informativas, engajamento para o avanço de políticas públicas e capacitação de profissionais da Saúde.
O presidente da International Society for Urban Health, Carlos Dora, um dos embaixadores da iniciativa, reitera que os médicos têm interagido e contribuído cada vez mais com a temática. “As associações médicas, como de Pediatria, Clínica Médica e Cardiologia, têm um papel muito importante de criar instrumentos e adaptá-los ao contexto local, porque as exposições não são as mesmas. Por exemplo, nem todos os lugares do mundo sofrem de queimadas como o Brasil, ao passo que nem todos os lugares do mundo têm as nossas matas. Por isso, é importante divulgar e conversar sobre essas particularidades nos encontros associativos com os colegas.”
No aspecto urbano, Dora trouxe como exemplo a criação de zonas de ar limpo adotadas por cidades europeias, como Londres e Paris, que impedem a circulação de veículos poluentes movidos à diesel e realiza a plantação de árvores/arbustos com efeito de barreira. “Os grupos médicos precisam fazer pressão para que os padrões de diminuição de poluentes sejam adotados e respondam aos níveis que protegem a saúde. É só através de coalizações, como a nossa iniciativa, que isso acontece. Por exemplo, os Estados Unidos conseguiram limpar o ar com base nesse trabalho e a União Europeia sempre pressiona por medidas antipoluição”, acrescenta.
Poluição do ar
“Na poluição do ar, a coisa é mais complicada. A mentalidade é essa: por que vou abater gás de efeito estufa para beneficiar e estabilizar daqui a 70 anos o Polo Norte ou a Amazônia? Mas posso dizer ainda que se eu abater os gases de efeito estufa, abaterei a poluição local e a minha saúde melhora agora”, destaca o médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Paulo Saldiva, que acrescenta que a mudança de visão da sociedade ajuda na transformação profícua, como ocorreu com a campanha contra o tabagismo.
Nesse sentido, o professor acredita que o médico e os profissionais da Saúde têm um papel importante no convencimento de transformar hábitos que diminuam as emissões de gases tóxicos, principalmente após a pandemia, quando ganharam maior credibilidade. “A nuvem de poluição que enxergamos consegue medir quanto de carbono fica retido no pulmão das pessoas. Quando medimos e aplicamos variáveis como idade, tempo de residência naquela localidade, ocupação, se é fumante ativo ou passivo, renda, entre outros questionamentos, a maior fatia daquele carvão é relacionada ao tempo que aquele indivíduo se despende no trânsito”, compara Saldiva.
A poluição do ar é um inimigo invisível: 90% da população mundial respiram ar tóxico, responsável por 11% da mortalidade global, principalmente em relação às doenças crônicas não transmissíveis – como as respiratórias e cardiovasculares; 50% dos casos de pneumonia estão relacionados à poluição.
“Se as metas definidas no acordo de Paris fossem cumpridas, um milhão de vidas por ano seriam salvas até 2050. E o relatório de IPCC de 2022 aponta que a mudança de clima é a maior ameaça atual à humanidade. Se somarmos o efeito da pandemia de 2019, a poluição do ar e mais a mudança do clima, não há nenhuma dúvida que isso nos provoca um grande senso de urgência de resolver o problema”, finaliza Evangelina.
Com informações da Associação Paulista de Medicina