Brasília, urgente

AMB participa de debate acerca da natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar

Na quinta-feira (02), a Comissão de Seguridade Social e Família promoveu audiência pública para debater a natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar na qual a Associação Médica Brasileira (AMB) marcou presença. O encontro deu-se em resposta aos requerimentos nº 6/2022 CSSF, da deputada Flávia Morais (PDT-GO); nº 54/2022 CSSF, da deputada Lídice da Mata (PSB-BA); e nº 75/2022 CSSF, do deputado João Campos (Republicanos-GO).

A deputada Flávia Morais (PDT-GO), que presidiu a audiência pública, destacou a importância do debate e em acompanhar a decisão do Judiciário nos próximos dias em relação à questão do Rol taxativo. A parlamentar enfatizou a preocupação existente com a possibilidade de perda da flexibilização atual que, através do Rol exemplificativo, segundo ela, promove condições de atendimento mais humanizado e um pouco mais individualizado de acordo com as necessidades dos pacientes da saúde suplementar.

Florisval Meinão, membro da Comissão de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB), comentou que a discussão trata de assunto de grande relevância para a sociedade considerando que pelo menos em torno de 50 milhões de pessoas utilizam os planos de saúde e que estão neste momento preocupadas com a futura decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do Rol de Procedimentos. O representante comentou também sobre a AMB, trazendo suas áreas de atuação como na defesa profissional do médico na prestação de serviço e na atualização profissional do médico; na edição da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM); na definição de códigos e terminologias da TUSS para procedimentos médicos, assim como na manutenção e publicidade à mesma, após aprovação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Comitê de Padronização de Informações em Saúde Suplementar; tem assento na Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Cosaúde) instituída por meio da Lei nº 14.307, de 3 de março de 2022; entre outros pontos. Acerca do debate sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar ser taxativo ou exemplificativo, segundo Florisval Meinão, destacou que a atualização do rol da ANS é lenta e não segue a evolução da medicina. Ele defende a autonomia de os médicos definirem o tratamento de cada paciente. “O compromisso do médico é com seu paciente em primeiro lugar. Ele tem a responsabilidade de apresentar ao paciente a melhor alternativa terapêutica, mas nem sempre essa alternativa está disponibilizada, porque o rol não contempla muitos dos procedimentos já incorporados à prática médica”, afirmou. Nesse sentido, a AMB tem defendido e alertado a respeito do  prejuízo que a taxatividade do rol da ANS certamente trará, como exclusões de cobertura em razão de divergências na nomenclatura dos procedimentos. Se o pedido médico não indicar exatamente a nomenclatura que consta no rol da ANS, terá a cobertura negada, como já acontece, e o usuário sequer poderá recorrer à Justiça. Concluiu dizendo que, se porventura o STJ decidir por um rol taxativo, haverá uma jurisprudência a respeito, então os pacientes terão dificuldade de recorrer desse direito.

Francisco José Alencar, representante do Instituto Rizo Movement, comentou que, às vezes, o rol de procedimentos, apesar de ser bem elaborado, quando interpretado pela fonte pagadora, é como se fosse destinado somente a situações curativas; e destaca a questão “desde quando conseguimos curar alguém”. Para ele, a lista de procedimentos e cobertura obrigatória para os planos instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é exemplificativa, pois ela permite a eventual cobertura de itens; e não é e não pode ser taxativa. Segundo ele, é por esse motivo que muitas terapias definidas como padrão para o paciente terminam sendo adquiridas por meio de demanda judicial; é isso que leva a ser taxativa por interpretação do plano de saúde. O representante comentou ainda que a criação da Agência Nacional com a finalidade de promover a defesa dos direitos públicos foi um fato importante para questões de norteamento e reguladora, mas questiona até que ponto essa interpretação é completa. Francisco José Alencar comentou ainda que em vista dessa incumbência legal, a ANS atualmente regulamenta o processo de elaboração desse Rol que estabelece a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a CID (classificação internacional de doenças). Segundo o representante, a elaboração do rol apresenta diretrizes técnicas relevantes de inegável e peculiar complexidade com a utilização dos princípios de tecnologia e a saúde baseada em evidência; e acredita que demora muito para uma tecnologia ser inserida no rol. Destaca então que a ANS deve discutir o rol mínimo e o obrigatório; e se posiciona contra a taxatividade do rol. Para ele, ainda que prestada pela iniciativa privada, a ação não perde seu caráter de relevância pública independente de quem está prestando o serviço de saúde; e o principal argumento a ser revelado para entender o caráter exemplificativo do rol se resume no fato de ser impossível aos consumidores uma previsão dos procedimentos havendo um desbalanço entre quem contrata o plano de saúde e quem vende o plano de saúde. Conclui, então, que caso a prevalência no entendimento que taxatividade vise a proteção do consumidor e a preservação do equilíbrio econômico no mercado dos planos de saúde, o consumidor importará um demasiado retrocesso aos seus direitos; e a situação prejudicará drasticamente as pessoas portadoras de deficiência e afastará o dever do plano de saúde cobrir itens fora da lista.

Tatiana Rodrigues Cardoso, Diretora de Eventos e Procedimentos em Saúde da Federação Nacional de Associações e Empresas de Fisioterapia (Fenafisio), em relação ao tempo de atualização do rol de procedimentos, comentou acerca da dificuldade e os requisitos estabelecidos para conseguir incorporar novos procedimentos ao rol. Segundo a representante, a Fenafisio é contra taxatividade do rol da ANS, porque, além de atingir a prestação de serviços de fisioterapia no sentido de restringir, ele vai impedir que tratamentos que são cientificamente comprovados com sua eficiência, a partir do qual é possível restaurar, recuperar e reabilitar vários beneficiários que necessitam de uma maior autonomia, independência e capacidade de executar suas atividades básicas de vida diária.

Vanessa Regina Sicchieri Ziotti, Vice-Presidente do Projeto Social Angelina Luz – RS e Diretora Jurídica do Instituto Lagarta Vira Pupa, comentou que, do ponto de vista técnico-jurídico, entende-se que a taxatividade do rol não encontra sustento no ordenamento jurídico e distorce o modelo do sistema de saúde, que constitucionalmente posto, no qual a prestação de serviços de saúde por entidades privadas atua de forma suplementar ao Sistema Único de Saúde (SUS). Desta forma, a representante afirmou que ela impõe a assunção dos riscos decorrentes do negócio; logo, não há possibilidade de as operadoras de saúde exercerem o negócio livres de riscos e ônus como é pretendido. Para ela, ao se considerar a taxatividade do rol, decreta-se o gargalo e a sobrecarga do SUS; e que a taxatividade do rol trata tanto daqueles que utilizam a saúde suplementar quanto dos que utilizam o SUS. Trouxe ainda argumentos referentes aos valores, dos riscos e lucros das operadoras; e ao bloco de constitucionalidade da questão, pois as ações debatidas ferem a Constituição Federal principalmente no princípio do não retrocesso social.

Noemi de Freitas Santos, advogada representante da Comissão Especial de Saúde da OAB-RS, comentou que, no contexto da saúde suplementar, pesquisas indicam que a pandemia da covid-19 aumentou a preocupação e os cuidados com a saúde para cerca de 80 % dos brasileiros; que acarretou um aumento na procura por planos de saúde, com crescimento em torno de 3,2% na comparação com janeiro de 2021, atingindo cerca de 48,9 milhões de usuários. Destacou que, atualmente, há uma taxa de cobertura da população beneficiária dos planos de saúde de cerca de 25,2%. Ressalta, ainda, que caso esses beneficiários não tenham acesso aos tratamentos, haverá “um impacto no já tão combalido e deficitário Sistema Único de Saúde”; e na lucratividade, nas receitas e despesas dos planos de saúde. Esclareceu ainda que a Lei dos Planos de Saúde (9656/1958) deixa claro que é um plano básico de assistência à saúde, sendo também básico o rol de procedimentos e as exceções estão previstas em seus incisos, e somente essas exceções os planos não devem cobrir; e afirmou que o rol é um norteador para as operadoras de planos de saúde, devendo ser ampliado e revisto, mas jamais ser uma listagem de procedimentos restrita e limitada. Para Noemi de Freitas Santos, o rol de cobertura da ANS é de caráter meramente exemplificativo, sobretudo porque as exceções previstas ao plano de referência básico das prestadoras de serviços de saúde já constam no dispositivo legal da Lei dos Planos de Saúde.

Tatiana Takeda, Presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/GO, destacou a necessidade de debater a qualidade da prestação de serviço dos planos de saúde que não correspondem à expectativa do consumidor. Ressalta ainda que a Agência Nacional de Saúde Suplementar recebeu uma autorização do legislador para legislar sobre questões afetas as atribuições para as quais ela foi instituída, geralmente em formas de resoluções; assim a agência reguladora deve respeitar o que está previsto na Lei e não pode se sobrepor aos princípios constitucionais. Segundo a representante, o debate acerca da taxatividade do rol trata-se de Direito Humano, da dignidade da pessoa humana, dos direitos das pessoas com deficiência e de inclusão, princípios estampados na Constituição Federal; o rol é uma diretriz, uma garantia mínima para as pessoas que dependem dos planos de saúde. Comentou ainda que os principais argumentos dos que defendem o rol taxativo são a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro; a necessidade de observar estritamente o que está no rol; e a necessidade de comprovação das evidências científicas dos tratamentos. Falou também sobre a autonomia do médico.

Ao final dos posicionamentos dos representantes, foi dada a oportunidade aos presentes na audiência de realizarem comentários adicionais. Assim foram tratados temas como a importância do fortalecimento das políticas para a Primeira Infância; a necessidade e benefícios do rol exemplificativo; equidade e acesso aos tratamentos dignos e adequados; a importância da participação social e da formulação de políticas públicas; a vulnerabilidade da população caso o rol taxativo seja aprovado; entre outros.


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