Nesta quinta-feira (12), foi realizado o Seminário Análise Econômica dos Atos Regulatórios na Saúde. O evento foi promovido pela Revista Justiça & Cidadania e contou com a participação de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), médicos, economistas, atuários e do novo presidente da ANS, Paulo Roberto Rebello Filho.
O evento debateu as alterações promovidas pela ANS no processo de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde – listagem de exames, terapias e medicamentos que as operadoras privadas são obrigadas a oferecer, conforme as categorias dos planos contratados por clientes. A principal discussão no Judiciário diz respeito à definição do caráter taxativo ou meramente exemplificativo da lista.
Humberto Martins, presidente do STJ, considerou que a criação da ANS foi um passo importante para a regulação do mercado. Para ele, no entanto, permaneceram lacunas no processo regulatório que precisam ser aperfeiçoadas.
O ministro lembrou que a existência de planos anteriores e posteriores à Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) continua sendo uma das questões mais complexas que chegam ao Judiciário. Ele afirmou que as portas da Justiça devem estar sempre abertas às demandas relacionadas à saúde.
“Cabe a nós, do Judiciário, entender o funcionamento dessa complexa engrenagem, não só para oferecermos soluções mais uniformes a controvérsias idênticas, como também para compreendermos quais são as dificuldades enfrentadas pelo Legislativo e, sobretudo, pelo Executivo no tocante à efetiva satisfação do direito fundamental à saúde”, declarou.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino do Superior Tribunal de Justiça, disse que há enorme questão no meio jurídico relacionado à complexidade das fontes normativas. Explicou que a Saúde Suplementar tem sua raiz no artigo 147, da Constituição Federal, sendo um dos pilares fundamentais da CF é a dignidade da pessoa humana que tem intima relação com as questões de saúde. Há também a lei 9656/98 que rege os Planos de Saúde e a lei 9961 que criou a ANS, e paralelamente o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e o Estatuto do Idoso. “A jurisprudência do STJ tem procurado se orientar e apoiar nessas resoluções, embora as vezes discutindo a legalidade de algumas delas”, completou.
Também falou que dentro do Regime Jurídico a relação entre usuário e operadora é a relação mais conflituosa e ostensiva. Segundo ele, as relações entre operadoras e prestadores de serviços são conflituosas, mas não ostensivas, ou seja, no geral não chegam ao judiciário.
De acordo com ele, há uma preocupação geral do Poder Judiciário em relação as questões de saúde pública e suplementar. “É um tema sensível com grande densidade social”, destacou o ministro.
Extensão da cobertura
O ministro Sanseverino ressaltou que a jurisprudência tradicional do STJ quanto à extensão da cobertura se orienta no sentido na limitação da cobertura excluindo determinadas doenças. Entretanto, não admite a restrição do tratamento. “Essa é uma orientação bem tradicional do STJ. Por exemplo, a Súmula 312/2004, que entende ser abusiva a cláusula contratual de planos de saúde que limita no tempo a internação do segurado”.
Explicou que várias discussões foram levantadas acerca dos desdobramentos dessa orientação. Como a definição da obrigatoriedade de custeio dos planos de saúde de cirurgias plásticas de pacientes pós cirurgias bariátricas e casos que envolvem fertilização in vitro.
Também falou que há questões relativas ao serviço de home care e sobre as operadoras de planos de saúde não serem obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa. Sobre este último, o ministro afirmou que o judiciário respeita não só as resoluções da ANS, mas também da Anvisa.
Resolução 470 da ANS
Paulo Rebello, Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, afirmou que a Resolução Normativa n° 470/2021 da ANS apresenta um importante avanço no processo de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde e rompe o conceito do ciclo de atualização do rol. “Ela representa uma maior agilidade do processo de atualização, gerando ganho para os consumidores de planos de saúde e todo o setor”. Rebello também informou que a norma entrará em vigor no dia 1° de outubro deste ano.
Segundo Rebello, as propostas de atualização do Rol serão recebidas de forma contínua através do formulário eletrônico Formol, disponível no portal da ANS. Segundo ele, as propostas poderão contemplar os seguintes tipos de solicitação: incorporação de nova tecnologia em saúde ou nova indicação de uso no Rol; desincorporação de tecnologia em saúde já listada no Rol; inclusão, exclusão ou alteração de Diretriz de Utilização; e alteração de nome de procedimento ou evento em saúde já listado no Rol.
Explicou que cada proposta seguirá seu próprio percurso, de acordo com a sua data de submissão, elegibilidade e complexidade de análise. Entretanto, destacou que a ANS analisará as propostas a cada seis meses e, após esse prazo, a agência publicará uma instrução normativa que atualizará o rol.
Além disso, destacou que o proponente será notificado eletronicamente sobre o resultado da análise de elegibilidade de sua proposta em até 30 dias após o envio do formulário. “A análise técnica das propostas elegíveis será realizada de acordo com a ordem de protocolização do FormRol e será concluída em até 18 meses”, acrescentou.
Rebello mencionou sobre a regra de transição da norma. De acordo com ele, nos primeiros 12 meses de vigência, serão recebidos apenas dois tipos de propostas: incorporação de nova tecnologia em saúde ou nova indicação de uso no Rol; e alteração de nome de procedimento ou evento em saúde já listado no Rol.
Por fim, falou que nos primeiros 180 dias de vigência da norma, os proponentes serão notificados sobre o resultado da análise de elegibilidade de proposta em até 60 dias após o envio do formulário e a análise técnica da proposta elegível será concluída em até 24 meses. “Isso ocorrerá pela quantidade de propostas do rol anterior. Já estamos prevendo que as propostas que não foram analisadas serão novamente apresentadas. Só teremos braço operacional a partir do prazo que estipulamos”, completou.
Projeto de Lei 6330/2019
Dr. Stephen Stefani, médico oncologista e presidente da International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR Brasil), afirmou que, atualmente, há um esforço da comunidade para evitar procedimentos de saúde desnecessários, o que racionaliza o processo e auxilia no equilíbrio econômico dos planos.
Sobre o Projeto de Lei 6330/2019, disse que entende que o objetivo da proposta é acelerar a inclusão de remédios para uma doença que tem muita importância epidemiológica. Para ele, no entanto, embora a primeira impressão é que se amplia benefícios para usuários de planos de saúde, não é pertinente celebrar sem saber quantos se beneficiariam e quantos seriam prejudicados com tal medida.“Com recurso finito, optar por uma inclusão significa abdicar de outra. A inclusão de forma irrestrita de tecnologias, tratando medicamentos com alto impacto da mesma forma que os de ganho marginal e/ou “me too” (remédios mais caros que somente oferecem o que os já disponíveis fazem) pressiona o cálculo atuarial e os preços dos planos de saúde, calculados com base na sinistralidade, inevitavelmente aumentam”, destacou.
Segundo ele, o mais pertinente seria que todo o remédio, independente da via de administração, passasse por avaliação e análises ágeis, completas e científicas para as tomadas de decisão. “O projeto de lei retira essa etapa para que nenhum medicamento seja. Esvaziar o papel de uma agência reguladora é o primeiro passo para desproteger o usuário”, disse.
Por fim, também mencionou que em países com sistemas de saúde com responsabilidade orçamentária são realizadas análises de custo-efetividade e impacto de custo.
Análise Econômica dos Atos Regulatórios
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva do STJ elogiou os cursos que incluem a análise econômica do Direito em sua base curricular, pois é fundamental o profissional ter essa preocupação e o conhecimento necessário na sua atuação, inclusive para julgar as demandas por saúde que chegam ao Judiciário.
Ana Carolina Maia, economista da Universidade de São Paulo, detalhou o processo de formação dos custos das operadoras e o esforço contínuo para garantir o equilíbrio e o bom funcionamento dos planos de saúde. Por sua vez, Raquel Marimon, atuária e Diretora de Saúde do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), reforçou a importância da previsibilidade como alicerce para o setor e disse que oferecer planos mais baratos é o foco principal das operadoras para garantir mais acesso à saúde.