CNN Brasil – Curso de medicina da UFPE só para sem-terra gera embate com médicos
Universidade afirma que o processo é legal, transparente e não reduz vagas já existentes, por se tratar de uma turma extra
O lançamento de um curso de medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), voltado exclusivamente a beneficiários da reforma agrária, abriu uma disputa entre entidades médicas e a instituição. Conselhos e associações acusam a instituição de ferir a igualdade de acesso ao ensino superior ao criar um processo seletivo fora do Enem e do Sisu, afirmam que a medida abre um “precedente perigoso” e alertam para riscos à qualidade da formação médica. A UFPE afirma que o processo é legal, transparente e não reduz vagas já existentes, por se tratar de uma turma extra.
O programa é realizado em parceria com o Incra por meio do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) e oferece 80 vagas, sendo 40 de ampla concorrência, e outras 40 vagas destinadas a quem pode ser atendido por modalidades de ações afirmativas (cotas). As inscrições foram entre os dias 10 e 20 de setembro.
A seleção prevê a aplicação de uma prova presencial e a análise do histórico escolar do ensino médio, etapas de caráter eliminatório e classificatório. O resultado preliminar será divulgado em 14 de outubro no site da UFPE, e a lista final até o dia 16. As aulas presenciais ocorrerão no Centro Acadêmico do Agreste, em Caruaru, com início previsto para 20 de outubro de 2025.
A UFPE também publicou comunicado em que defende a legalidade do processo. A universidade reforça que as vagas são supranumerárias e não retiram oportunidades de candidatos que concorrem via Enem e Sisu. Segundo a instituição, a iniciativa faz parte de uma política de inclusão voltada a públicos historicamente excluídos do ensino superior.
“É fundamental ressaltar que essas vagas são específicas de uma turma extra criada exclusivamente para esse fim, dentro da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial prevista no Artigo 207 da Constituição federal e não afetam as vagas já oferecidas regularmente pela UFPE por meio do Sisu. A criação desta turma especial não interfere na distribuição regular de vagas da universidade, que já existe fluxo de funcionamento definido na instituição via Sisu”, diz a instituição, em nota enviada à CNN Brasil.
A UFPE afirmou ainda que o processo seletivo segue as normas do Pronera e da legislação educacional vigente, garantindo lisura e transparência. A instituição destacou ainda que, com recursos do Incra, a parceria busca ampliar a inclusão e a democratização do acesso ao ensino superior, assegurando, segundo a universidade, um modelo justo para todos os candidatos. Leia a íntegra da nota no final do texto.
O que é o Pronera?
Criado em 1998, o Pronera visa ampliar o acesso à educação básica e superior para famílias assentadas em áreas de reforma agrária. Segundo dados do Incra, desde sua criação, o programa já beneficiou cerca de 192,7 mil pessoas em 545 cursos de alfabetização, ensino médio, técnico e superior. Para 2025, a intenção é a de agregar mais 37 cursos.
Em Pernambuco, essa é a primeira vez que um curso de medicina é ofertado em parceria com o Pronera. A medida atende a uma demanda de movimentos sociais ligados ao campo, que defendem maior presença de profissionais de saúde formados a partir de comunidades rurais e quilombolas.
Leia a íntegra da UFPE:
A UFPE divulgou nota sobre o processo seletivo Pronera para formação de turma extra por meio de vagas supranumerárias no curso de medicina:
O Pronera (Programa Nacional de Educação para Áreas da Reforma Agrária) é uma política pública de grande relevância, instituída em 1998, que tem como objetivo promover a Educação do Campo para as populações das áreas de reforma agrária e territórios quilombolas. O programa busca fortalecer esses espaços em suas dimensões econômica, social, educacional, política e cultural, sendo executado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O Pronera, através do Termo de Execução Descentralizada nº 973484 /2024 – Incra, encaminhou à UFPE a proposta de criação de uma turma extra de graduação em medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) a ser ofertada, através de vagas supranumerárias, no âmbito do Pronera. A proposta foi aprovada em Conselho Superior da UFPE, através da Resolução nº 1 de 29 de julho de 2025, para a abertura de turma extra do curso de medicina (Código e-MEC 1189778), do Centro Acadêmico do Agreste, com oferta única de 80 (oitenta) vagas, no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
O processo seletivo em questão, regido pelo Edital Nº 31/2025 da Prograd/UFPE, foi criado para ofertar uma turma extra de 80 (oitenta) vagas no curso de Bacharelado em medicina, a serem oferecidas pelo Centro Acadêmico do Agreste (CAA) para o segundo semestre letivo de 2025, em Caruaru.
É fundamental ressaltar que essas vagas são específicas de uma turma extra que foi criada exclusivamente para esse fim, dentro da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial prevista no Artigo 207 da Constituição federal e não afetam as vagas já oferecidas regularmente pela UFPE por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada). A criação desta turma especial não interfere na distribuição regular de vagas da universidade que já existe fluxo de funcionamento definido na instituição via SISU.
Em relação a esse aspecto, a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) reforça no Art. 53 que as universidades podem “I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior; II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; IV – fixar o número de vagas oferecidas em cada curso, conforme a capacidade institucional.”. Assim, a LDB reforça a autonomia universitária para definir o número de vagas, incluindo a abertura de vagas supranumerárias, especialmente quando destinadas a políticas públicas específicas.
Ainda, o MEC, por meio de notas técnicas e pareceres do CNE (Conselho Nacional de Educação), também reconhece a legitimidade da criação de vagas supranumerárias, especialmente quando associadas a políticas afirmativas e inclusão social, tal como o Parecer CNE/CES nº 79/2009 que trata da possibilidade de programas especiais de inclusão e a Portaria MEC nº 1.509/2018 que instituiu o Programa de Acesso à Educação Técnica e Superior para refugiados e portadores de visto humanitário, incentivando as IFES a abrirem vagas supranumerárias.
Público-Alvo e Requisitos de Participação
Diferentemente do processo seletivo regular realizado via SISU, o Edital Nº 31/2025 da Prograd/UFPE é direcionado exclusivamente a um público-alvo específico, conforme o Decreto Nº 7.352 de 2010. Trata-se, portanto, de vagas supranumerárias que vão além das vagas previstas regularmente para o curso e que podem ser ofertadas de forma pontual para esse fim.
Somente podem participar do certame:
- Jovens e adultos de famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que residem em projetos de assentamentos reconhecidos pelo Incra;
- Jovens e adultos de famílias beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC);
- Educadores que atuam em atividades voltadas às famílias beneficiárias;
- Pessoas egressas de cursos de especialização promovidos pelo Incra;
- Pessoas acampadas cadastradas pelo Incra e quilombolas.
- É imperativo que os candidatos tenham concluído o ensino médio antes de sua inscrição e que apresentem a documentação obrigatória que comprove seu vínculo com o Programa. No momento de avaliação do candidato, são utilizados os critérios expostos no item 9 do Edital, em duas etapas:
- Inscrição e Validação de Beneficiário (Etapa Eliminatória): A comissão do Incra analisa a documentação enviada para confirmar se o candidato se enquadra no público-alvo do Pronera. A falta de comprovação ou a apresentação de documentos falsos resulta na eliminação imediata do candidato.
- Avaliações (Etapa Eliminatória e Classificatória): Esta fase consiste em duas avaliações com pesos definidos:
- Prova Presencial de Redação em Língua Portuguesa, em conformidade com o que estabelece a Portaria MEC 391/2000: Com peso 6, a redação dissertativo-argumentativa é avaliada com base em critérios objetivos de correção, como adequação ao tema, organização das ideias, domínio da norma culta da Língua Portuguesa e vocabulário apropriado. A nota mínima para não ser eliminado é 5,0 de um total de 10,0.
- Avaliação do Histórico Escolar do Ensino Médio: Com peso 4, a análise é feita a partir das notas de Língua Portuguesa, Biologia e Química do 1º, 2º e 3º anos. O cálculo é uma média aritmética simples dessas notas, que é então multiplicada pelo peso.
- É essencial destacar que a avaliação mencionada já é adotada em outros vestibulares da UFPE cujo público é específico e destinado a políticas públicas peculiares, como o Vestibular Quilombola e o Intercultural Indígena.
- A UFPE reitera a lisura e a transparência do processo, destacando que segue rigorosamente as normativas do Programa e da legislação educacional vigente. Ainda, ressalta que, através de recursos oriundos do Incra, esse processo seletivo possibilita a parceria da UFPE com o Pronera a fim de que ambas as instituições continuem comprometidas com a inclusão e com a democratização do acesso ao ensino superior, na garantia de um processo seletivo justo e transparente para todos/as os/as candidatos/as.
Fonte: CNN Brasil