Brasília, urgente

A SUSPEITA QUE MUDA OS RUMOS DA CPI

Após dois meses, a CPI da Covid voltou a receber destaque nos últimos dias com as suspeitas em torno da compra da vacina indiana Covaxin, após declarações do deputado federal Luis Miranda. Embora não se tenham ainda dados concretos, o caso será usado pela oposição para tentar desgastar o governo federal e demandará energia dos citados para apresentar explicações. Nesta Análise Política, produzida pela NK Consultores, destacamos esse e outros assuntos relevantes como a Reforma Tributária e a troca no Ministério do Meio Ambiente. A seguir, considerações sobre o atual cenário político.


O caso Covaxin

Instalada no final de abril, a CPI da Covid perdia gás após semanas de depoimentos e chegadas de documentos que mostraram recusas seguidas à vacina da Pfizer, empenho do presidente na produção e uso de cloroquina contra Covid-19 e na aposta na imunidade por contágio para enfrentar a pandemia sem parar a atividade econômica.

Com a suspeita em torno da compra da Covaxin, a CPI passa a ter um real ponto de pressão sobre a gestão Bolsonaro. Os depoimentos à CPI do servidor federal Luis Ricardo Miranda, do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, e de seu irmão, o deputado Luis Claudio Miranda (DEM-DF), colocaram militares e o líder do governo, Ricardo Barros, como responsáveis pela pressão a favor do imunizante indiano.


Risco ao discurso

O caso pode atingir um dos pilares do discurso dos defensores do presidente Jair Bolsonaro. O presidente costuma enfatizar que seu governo não há corrupção, como forma de se diferenciar do PT. Durante os debates na CPI da Covid, os senadores governistas destacam que, diferentemente de investigações em governos anteriores, nesta não se abordava desvio de recursos ou favorecimento.

Por isso, a suspeita em relação à Covaxin traz um risco. Mesmo que não avance e seja arquivado no futuro, o caso se arrastará por meses, obrigando o presidente, o líder do governo e demais nomes envolvidos a apresentar explicações sobre o caso.


Ministro da Saúde x Bolsonaro

Em três meses como ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga se equilibra entre decisões técnicas e as vontades de Bolsonaro na condução da pandemia. Já ficou claro que o ministro não mudará o comportamento do presidente, que mantém os encontros em público, a defesa de medicamentos ainda sem comprovação e a contrariedade em relação ao uso obrigatório de máscaras.

Queiroga assumiu pregando distanciamento, mãos limpas e máscara, porém aos poucos o discurso vem perdendo ênfase. Não há dúvida que é desejo do ministro de continuar no posto. Se ficar até o final do ano, cumprindo as reiteradas promessas de vacinar todos os brasileiros, será reconhecido pelo avanço da vacinação contra a Covid-19.


Atos e pesquisas

Crítica das aglomerações promovidas por Bolsonaro, a oposição decidiu também se reunir nas ruas. A oposição levou mais gente do que se esperava. Com as denúncias sobre o Caso Covaxin, uma nova manifestação está agendada para o próximo fim de semana, no dia 3 de julho, para tentar pressionar o governo.

Os recentes atos ocorreram em momento de resultados ruins para Bolsonaro em pesquisas. A última divulgada, do Ipec, mostra piora na avaliação do governo entre fevereiro e junho. Além disso, Lula aparece à frente de Bolsonaro em pesquisa também realizada pelo Ipec


Apoio ao presidente

Se de um lado as mobilizações contrárias ao presidente têm demonstrado força, no outro as de apoio também têm apresentado imagens impactantes. As manifestações pró-Bolsonaro, incluindo as “motociatas”, comprovam que Bolsonaro continua com fidelidade em sua base eleitoral.

Bolsonaro tem a caneta de presidente na mão e conta com o calendário para se fortalecer até a eleição do ano que vem. Após um início lento, a vacinação contra Covid-19 avança (em cinco meses 33% da população recebeu uma dose e 12%, duas) e tem perspectiva de encerrar o ano com todos os brasileiros acima de 18 anos imunizados com ao menos uma dose.

Bolsonaro vislumbra um 2022 com pandemia controlada ou encerrada e vindo de uma alta no PIB na faixa de 5%, o que certamente trará otimismo. Tudo isso em um cenário de commodities valorizadas. Ou seja, a expectativa é de que a partir de outubro o vento sopre a favor de Bolsonaro.


O risco da crise hídrica

Um fator que traz risco à recuperação do país é a crise hídrica, com possibilidade de racionamento de energia neste segundo semestre. Com o maior período de escassez de chuvas em 91 anos, o governo nega o risco de apagão e a prática de racionamento, porém prepara uma medida provisória com medidas que incentivam a economia de energia pelos consumidores.

A falta de chuvas levou ao aumento da conta de luz, que pressiona a inflação (deve encerrar 2021 em 6%, acima do teto da meta). Bolsonaro sabe que a energia é um ponto sensível à sociedade. Em 2001, o apagão pesou na derrota do então candidato da situação José Serra na eleição vencida por Lula.


Centrão destrava pauta

A aliança com o Centrão, que ganhou cadeira de ministro no Planalto (Flávia Arruda na Secretaria de Governo), permitiu a Bolsonaro destravar a pauta econômica, com destaque para a aprovação da medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras, proposta que patinava desde o governo de Michel Temer (2016-2018).

A MP sofreu mudanças, o setor alerta que haverá alta na conta de luz. Foi o preço pago por uma aprovação à Centrão, com a inclusão de trechos polêmicos na proposta que beneficiam interesses paroquiais.

O governo tem aprovado sem dificuldades projetos de seu interesse e vê, de fato, a possibilidade de aprovar até o primeiro semestre de 2022 ao menos partes das reformas tributária e administrativa.

O cenário aumenta o poder de barganha por fatias do orçamento e cargos do presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele é personagem fundamental para manter o ritmo de aprovações e para engavetar os novos pedidos de impeachment de Bolsonaro apresentados pela oposição.


Nova etapa na tributária

A equipe econômica entregou ao Congresso a segunda etapa da Reforma Tributária – a primeira, com a unificação do PIS e da Cofins, ainda não foi aprovada. Essa segunda etapa contempla: – Ampliação da faixa de isenção das pessoas física dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil;

– Redução da alíquota de IR das empresas dos atuais 15% para 12,5% em 2022 e 10% em 2023; – Retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos de empresas a pessoas físicas, com alíquota de 20% na fonte e isenção para até R$ 20 mil por mês para microempresas e empresas de pequeno porte;

– Redução da alíquota de IR sobre ganhos de capital na venda de imóveis para 5% caso o contribuinte atualize o valor da propriedade.
Se por um lado a redução na cobrança isenção do IR foi celebrada, de outro há temor de que o impacto tributário com a taxação sobre dividendos e investimentos supere os benefícios.


Prazos para a Reforma

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, cobravam o envio da nova etapa da reforma. Com a janela para uma eventual aprovação de Reforma se fechando, é preciso agilidade na tramitação. Ainda na sexta-feira (25), Arthur Lira indicou o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) para a relatoria da reforma do Imposto de Renda para pessoas físicas, empresas e investimentos entregue por Guedes. e Luiz Carlos Motta (PL-SP) será o relator do PL que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços.


Salles, a despedida de um ministro fiel

Pela versão oficial, Ricardo Salles pediu demissão do Ministério do Meio Ambiente na quarta-feira (23). A situação era considerada insustentável desde maio, quando Salles foi alvo da operação Akuanduba, da Polícia Federal, que investiga a exportação ilegal de madeira para EUA e Europa.

As autoridades americanas alertaram sobre o esquema. Sua permanência no cargo travou acordo com o governo dos EUA para financiar a preservação ambiental na Amazônia, que registra alta no desmatamento e nas queimadas.

Integrante do ministério original de Bolsonaro, Salles era criticado por medidas que supostamente dificultaram a fiscalização. O presidente segurou o quanto pôde o aliado, assim como fez com Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, que permaneceram no governo por meses diante de críticas até de colegas.

Bolsonaro oficializou a saída de Salles no mesmo dia em que ganhou força no noticiário a suspeita de irregularidade no contrato da Covaxin. O ato ajudou a dividir a atenção do noticiário. Ao deixar o governo, Salles, que tinha foro privilegiado, espera que seu caso deixe o STF, onde coleciona derrotas. Poderá se defender de forma discreta nas instâncias inferiores.


Bolsonaristas-raiz

Bolsonaro perdeu mais um auxiliar alinhado à parcela do eleitorado identificada com o modo de agir e de pensar do presidente. Antes, foram demitidos Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), ministros que, como Salles, eram fiéis na execução das políticas públicas, mas criticados por parlamentares, especialistas e líderes empresariais.

Entre os 22 ministros, Bolsonaro ainda tem Damares Alves (Direitos Humanos) e Gilson Machado (Turismo) como representantes do bolsonarismo-raiz. Os dois, porém, não enfrentam tantas resistências.


E o novo ministro?

A saída de Salles não gera expectativa de mudanças na política ambiental de Bolsonaro. O novo ministro, Joaquim Leite, era secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta, foi produtor de café e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB). A mudança esperada é a mesma verificada na Educação e nas Relações Exteriores após as demissões de Weintraub e Araújo.

Um novo titular técnico e discreto tira a pasta do noticiário por evitar atritos desnecessários. Joaquim Leite tem o desafio de reduzir os índices de desmatamento e de manter conversas com EUA, Alemanha e Noruega para negociar recursos às ações de preservação.


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