Brasília, urgente

Câmara dos Deputados debate os desafios econômicos, sociais e de saúde pública para portadores de doenças raras

NK Consultores – A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD), da Câmara dos Deputados, realizou, na terça-feira (22), audiência pública com o Tema: “Doenças raras: desafios econômicos, sociais e de saúde pública” em atendimento ao Requerimento 24/2023, de autoria da deputada Erika Kokay (PT-DF).

Marina Domenech, Vice-Presidente da Associação Brasileira das Organizações Representativas da Pesquisa Clínica da ABRACO, discutiu a importância de estabelecer protocolos de diagnóstico precoce e abordar a necessidade de avanços na medicina de precisão para compreender doenças com base genética. Destacando o desafio de tratar doenças raras, envolvendo esforços da academia, setor público e privado, além da classe médica. 

Para a convidada, a complexidade reside no recrutamento de pacientes e nas barreiras da legislação brasileira, especialmente em comunidades pediátricas. A pesquisa clínica pode ser uma das soluções, com um projeto de lei proposto para regulamentar e incentivar estudos no Brasil. Marina destacou que atualmente, a América Latina está significativamente sub-representada em pesquisas clínicas, e o Brasil deve buscar superar essas limitações para se tornar um participante mais ativo na pesquisa médica global.

Marcela Pontes, Gerente de Acesso e Precificação, representante do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo – SINDUSFARMA, abordou em sua fala as barreiras enfrentadas pela pesquisa médica no Brasil, incluindo o alto custo dos pacientes de pesquisa e a carga tributária sobre produtos médicos. Destacou a importância de reduzir os impostos para incentivar a pesquisa clínica no país. Além disso, discutiu a questão do registro sanitário e a atuação da Anvisa, ressaltando a necessidade de atualizar as diretrizes para avaliar o valor terapêutico dos produtos. 

Para Marcela, o desafio da precificação também foi abordado, apontando a insegurança jurídica e a necessidade de mecanismos alternativos de acesso e financiamento de medicamentos para a população.

Por fim, ressaltou a falta de uma política de estado para o desenvolvimento e produção de produtos médicos no Brasil como um desafio, dificultando a pesquisa e o acesso a tratamentos,apontando para a necessidade de abordagens abrangentes para superar esses desafios e promover a pesquisa e o acesso a tratamentos médicos no Brasil aos pacientes portadores de doenças raras.

Lauda Vieira dos Santos, Presidente da Associação Maria Vitória de Doenças Raras e Crônicas – AmaviRaras, abordou a necessidade de enfoque em pesquisa clínica e os desafios relacionados ao tratamento de doenças raras, como o mucopolissacaridose tipo II (MPS II). Destacando que o tempo necessário para a pesquisa e desenvolvimento do tratamento pode ser de até 10 anos, o que cria um dilema para os gestores de saúde. Embora a pesquisa clínica seja útil para doenças ultra-raras, como a MPS II, os pacientes precisam muito desse cuidado, ressaltou o convidado.

Segundo Lauda, a falta de diagnóstico precoce é um desafio significativo, assim como a escassez de pacientes para pesquisa clínica. O investimento em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para essas doenças é considerado arriscado devido à natureza rara das condições. A legislação existente não é necessariamente adequada à realidade das doenças raras, burocratizando o acesso a tratamentos e dificultando a incorporação de novos medicamentos, mesmo para pequenos grupos de pacientes. A judicialização também foi abordada pela convidada como uma abordagem inconveniente, visto que não garante soluções equitativas e perpetua as dificuldades enfrentadas pelos pacientes raros. 

A convidada expressou a necessidade de trabalhar em uma legislação mais adaptada e sensível às complexidades das doenças raras, valorizando a vida dos pacientes acima de todas as barreiras.

Por fim, a convidada ressaltou que o último Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica – PCDT, para MPS II foi publicado em 2018 que trata da reposição enzimática que foi aprovada pela Anvisa. Ao final da audiência, Lauda questionou o representante da Anvisa sobre o prazo para o registro do medicamento e qual o período para a disponibilização do medicamento ao paciente portador da MPS II, pois até o momento não possui o registro na Anvisa.

Ana Maria Martins, Médica Geneticista – Hospital Paulo e do Instituto de Genética e Erros Inatos Do Metabolismo – IGEIM, enfatizou que o diagnóstico de doenças raras é facilitado quando há triagem neonatal que permite a identificação precoce das condições. No entanto, fora desse contexto, as famílias enfrentam dificuldades para obter atendimento adequado para pacientes com doenças raras, muitas vezes acompanhadas de deficiências intelectuais ou outras complicações de saúde. Isso pode trazer dificuldades financeiras às famílias, pois um dos pais muitas vezes precisa deixar de trabalhar para cuidar do paciente. Os serviços de atendimento de genética, que são essenciais para doenças genéticas, muitas vezes também apresentam desafios em relação à disponibilidade e regulação das vagas no sistema público de saúde, apontou Martins.

A médica enfatizou o estudo clínico realizado na Universidade Federal de São Paulo, em colaboração com Porto Alegre, sobre o tratamento da doença MPS II. Doença que envolve comprometimento neurológico central, e um medicamento inovador foi desenvolvido para atravessar a barreira do sistema nervoso central e fornecer a enzima necessária. Sendo especialmente significativo, uma vez que o medicamento pode impactar especificamente os pacientes com MPS II, que têm necessidades médicas específicas, e que no entanto ainda aguarda aprovação da Anvisa, enquanto já poderia ser efetivamente utilizado melhorando a vida dos portadores da doença, destacou a médica que finalizou sua fala fazendo um apelo para que a Anvisa aprove imediatamente a medicação.

Rômulo Bezerra Marques, Diretor – Federação Brasileira Das Associações De Doenças Raras-Febrararas, destacou os três principais desafios relacionados às doenças raras. O primeiro destacando a importância de trazer pesquisas clínicas para o Brasil, incentivando investidores e investigadores, revisando marcos regulatórios e oferecendo estímulos fiscais. A necessidade de acelerar e aprimorar o sistema de análise de registros e petições é destacada, visando reduzir os tempos de espera.

O segundo ponto trouxe enfoque para os aspectos psicológicos, ressaltando a necessidade de regulamentar limiares de custo-efetividade e abordar questões de financiamento para doenças raras. O Projeto de Lei 3262/2020, que altera a lei nº 13.930, de 10 de dezembro de 2019 e cria o Fundo Nacional para Custeio e Fornecimento de Medicações e Terapias destinadas ao Tratamento de Doenças Raras ou Negligenciadas foi mencionado pelo convidado, propondo a criação de um fundo nacional para o custeio e tratamento de doenças raras ou negligenciadas, com ênfase no desenvolvimento tecnológico.

No terceiro desafio, Marques destacou a necessidade de implementar programas de rastreamento neonatal em todo o país para garantir o diagnóstico precoce e uniforme de doenças raras centralizada pelo Ministério da Saúde, Ressaltou a importância de estabelecer centros de referência em hospitais para atender pacientes com doenças raras. Por fim, enfatizou a relevância da prevenção para reduzir custos e despesas, e a necessidade de agilizar etapas de aprovação, pactuação e incorporação de tratamentos pela Conitec.

Fabrício Carneiro de Oliveira, Gerente-Geral da Gerência de Produtos Biológicos, Radiofármacos, Sangue, Tecidos, Células, Órgãos e Produtos de Terapias Avançadas, da Anvisa, abordou os aspectos relacionados às doenças raras e à atuação da Anvisa nesse contexto. Destacando a presença significativa de doenças raras no setor, especialmente no campo de produtos biológicos. O convidado explicou que o conceito de doença rara no Brasil é diferente dos Estados Unidos, envolvendo condições que sofreram menos de 65 pessoas por 100 mil habitantes. Com mais de 6 milhões de doenças raras existentes, cerca de 13 milhões de brasileiros são atendidos, apontou o convidado.

Segundo Oliveira, enfrentar os desafios do desenvolvimento de medicamentos para doenças raras é complexo, devido à natureza progressiva e debilitante dessas condições. Questões como a falta de histórico sólido, a diversidade fenotípica e genotípica, a ausência de parâmetros clínicos significativos e a dificuldade de identificar marcadores impactam o desenvolvimento de terapias.

Oliveira afirmou que a Anvisa busca facilitar o acesso a esses tratamentos por meio de flexibilizações regulatórias específicas, priorizando medicamentos de doenças raras e permitindo complementação de dados após a concessão de registro, citando exemplos de medicamentos registrados e ensaios clínicos autorizados. 

De acordo com o convidado, a Anvisa está trabalhando na elaboração de um guia para comparação de evidências de vida real e na implementação da Rede Nacional de Dados em Saúde, buscando melhorar a transparência e a agilidade nas análises. A disponibilização de informações e documentos ao público, como bulas, pareceres de avaliação e lista de medicamentos aprovados, é destacada como parte da transparência regulatória da Anvisa

Em resposta aos questionamentos acerca do registro da Anvisa referente à medicação para portadores de MPS II, Oliveira informou que houve uma avaliação inicial da área técnica, que resultou em uma negativa, e então houve a interposição de recurso administrativo. No momento, o caso aguarda o relator, para ser deliberado na Diretoria Colegiada da Anvisa, para o julgamento do recurso, e que em caso seja necessário pode retornar para avaliação da área técnica para uma nova avaliação.


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