A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública, nesta quinta-feira (10), para discutir os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental de crianças e adolescentes. A reunião foi presidida pela Deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) e pelo Deputado Diego Garcia (Podemos-PR).
Secretaria da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Angela Gandra Martins, Secretária Nacional da Família, explicou que a Secretaria pôde fortalecer durante a pandemia a promoção da saúde mental, psicológica dos membros da família a partir do estímulo de um melhor relacionamento entre eles. Por outro lado, segundo ela, a pandemia trouxe a educação como um tema básico da família que teve que acompanhar mais de perto os filhos.
Expôs também que as preocupações relacionadas aos impactos com o futuro, a própria morte ou o medo da doença, têm repercussões muito sérias. Assim, a Secretaria tem trabalhado com esses temas com muita esperança, enfrentando os desafios de forma positiva e tentando fortalecer a base da família, disse.
Sobre o fortalecimento dos vínculos familiares, explicou que esse tema é trabalhado no Programa Famílias Fortes. Segundo ela, são sete encontros onde as famílias analisam seus relacionamentos, principalmente com adolescentes e crianças. “Convocamos as famílias a pensarem sobre seus relacionamentos, primeira por vídeos, depois em curso com capacitadores. Dessa forma, ajudamos os pais a terem uma boa performance para enfrentar a pandemia e que isso seja salutar para os filhos”, completou.
Finalizou citando o lançamento de um edital do Observatório da Família para fomentar estudos sobre o entendimento da real situação mental nos jovens e das famílias em geral no período da pandemia e pós-pandemia. Segundo ela, isso é importante para realizar políticas públicas com base em dados reais. Ainda nesse sentido, ela declarou que outros países que estão mais avançados nessas pesquisas, principalmente os europeus, estão enviando muitos dados para fomentar o processo.
Grupo Sentido da Vida na Prevenção do Suicídio
Marina Lemos, coordenadora do Gripo SINN – Sentido da Vida na Prevenção do Suicídio, destacou que o ser humano é atraído pelo sentido da vida. Segundo ela, o homem quer o sentido; mas não há apenas um sentido: há também a liberdade que o homem tem para o realizar plenamente.
De acordo com ela, há duas vias de realização de sentido: trabalho, vivência e sofrimento. Assim, é necessário educar para o desempenho, amor e sofrimento, disse. “A educação de hoje é muito focada no desempenho e pouquíssimo amor. O sofrimento é inevitável, mas não é ensinado como afrontar o sofrimento com coragem”, enfatizou. Também falou que a capacidade de exportar a frustação é muito pouca e baixa, isso pode levar ao suicídio e a pandemia tem aprimorado isso.
Ressaltou ainda que a sociedade está caminhando em um só eixo de sucesso ou fracasso e, independente do polo existe violência, corrupção, dependência química e psicológica e suicídio. “Só esse eixo não contempla a complexidade da pessoa humana”, disse.
Por fim, afirmou que há pesquisas em universidades públicas para analisar o impacto mental da pandemia em crianças. Sobre a terapia, elucidou que esse tratamento pode ajudar os jovens por meio do “desenvolvimento da dimensão própria da pessoa, ou seja, por meio do estímulo da consciência e de desafios”. Segundo ela, a aplicação dessas estratégias em jovens são a essência de atitudes a serem tomadas que podem combater doenças mentais. Terminou defendendo que isso seja aplicado em políticas públicas.
Sociedade Brasileira de Pediatria
Dra. Luci Yara Pfeiffer, Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, iniciou falando sobre o aumento da violência. De acordo com Luci, em 2020 uma equipe de 20 pessoas realizou 8.840 procedimentos de pediatria, psicanálise, psiquiatria, com apoio de pedagogos e assistentes sociais. Este ano, apenas no primeiro trimestre tiveram quase 3.500 procedimentos, demonstrando um aumento grande de casos.
Sobre a pandemia, Luci explicou que o momento ocasionou uma ruptura de rotinas com isolamento e um consequente aumento do estresse. Falou que mesmo em famílias onde há a possibilidade de trabalho em casa e uma vida mais organizada para estarem mais presentes com os filhos, o medo permaneceu nas crianças. “Aquilo que eles viam ou ouviam, o que era noticiado nas mídias de casos de morte e as crianças não foram poupadas. Todos ficamos ansiosos e isso foi repassado para a crianças”, completou.
Explicou também que as crianças de diversas classes sociais começaram a ter a ansiedade como uma defesa. Segundo a doutora, a ansiedade pode ser uma defesa para que pensemos novos caminhos, mas ela tem sintomas e estes não foram bem explicados para as crianças. “Os pensamentos que retornam, os pesadelos e mal-estar. Muitos precisaram de atendimento médico e psicológico, mas é uma situação que pode ser explicada para a criança”, disse.
Defendeu que é necessário trazer algo na mídia para dizer e explicar para as crianças sobre o momento atual. Reforçou que, caso não haja esse diálogo com a criança, é possível evoluir para doenças como ansiedade permanente, comportamentos obsessivos, compulsão, tiques ou manias, hipo ou hiperatividade, déficit ou deslocamento de atenção.
Ressaltou a necessidade de deixar as crianças pequenas sem celulares e telas. Para ela, criança não precisa ter acesso a celular, mas sim brincar, fazer esportes, olhar o outro e também disse que hoje há escolas no Brasil onde são permitidos esses dispositivos, mas lembrou que na França e Inglaterra, por exemplo, isto não é permitido. Falou também que o acesso da criança ao celular é uma porta aberta, já que ele dá acesso a mais de 4 bilhões de internautas.
Por fim, falou sobre a importância da campanha Conecte-se ao que Importa que conscientiza também os pais a terem condutas adequadas ao mundo virtual, deixarem um pouco de lado o celular e darem mais atenção aos filhos, disse.
Associação Crônicos do Dia a Dia
Gustavo San Martin, Presidente da Associação Crônicos do Dia a Dia, ilustrou em três pilares a saúde mental das crianças e dos adolescentes: exposição social, estímulos cognitivos e manutenção e controle de comorbidades.
San Martin destacou que a quarta onda da pandemia trouxe problemas psiquiátricos, doenças mentais, problemas econômicos e burn out. Também disse que as crianças vivem um fator estressor, visto que precisam lidar com o estresse e a ansiedade dos pais, o consumo abusivo de álcool, a violência, o medo da infecção e da morte, as perdas financeiras, o desemprego, a insegurança de moradia ou alimentar. Além disso, explicou que as medidas de isolamento social podem levar a conflitos, falta de atividade física, alterações da dieta e do padrão de sono. “Todas essas questões são contexto da pandemia, mas que antes já apareciam como um estilo de vida”, completou.
De acordo com ele, os resultados disso para as crianças e adolescentes são ansiedade, irritabilidade, maior introspecção e menor contato social com consequências futuras. Também ressaltou o aspecto cognitivo em crianças que estavam no processo de alfabetização escolar e que podem ter déficit cognitivos permanentes pela falta desse processo.
Também reiterou a importância de diagnósticos para além da saúde mental, quando se fala de crianças e adolescentes. Citou como exemplo a dermatite atópica, que, segundo ele, agrava o desenvolvimento de depressão em muitos jovens por afetar sua imagem física e, consequentemente, sua aceitação.
Concluiu falando que, pensando no ambiente das escolas, as crianças e os adolescentes devem se sentir protegidos com o fim de evitar o desenvolvimento tanto de doenças mentais quanto físicas. Isso evita consequências como evasão e escolar tem a possibilidade de diminuir desigualdades sociais. Ainda nesse sentido, defendeu o requerimento 201/2021 da Deputada Carmen Zanotto (CIDADANIA-SC), que solicita a ampliação da idade de vacinação de Covid-19 para o grupo etário de 12 a 17 anos.
Por fim, citou que há um esforço em curso para criar uma Frente Parlamentar de Prevenção de Doenças Pulmonares Graves para evitar o agravamento dessas doenças em crianças e adolescentes, entre outros.
Parlamentares
O Deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO) afirmou que fez um requerimento à Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 relatando sua preocupação com o que chamou de “síndrome da gaiola”. Esse fenômeno utiliza uma metáfora para descrever a situação corrente de que, mesmo após liberações graduais em relação à pandemia, muitos jovens não querem sair de casa. Uma das causas dessa síndrome, segundo o parlamentar, é o agravamento ou desenvolvimento de doenças mentais. A Deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) disse que vê com preocupação as sequelas que a pandemia está deixando na saúde mental, em especial nas crianças. Segundo a deputada, é fundamental que os legisladores fortaleçam as políticas públicas de atendimento e acolhimento dessa população. “O distanciamento que estamos vivendo, a nova forma de viver e as demandas aumentadas tem dificultado o nosso relacionamento”, completou.