A Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) realizou audiência pública, nesta quinta-feira (1°), para debater sobre os modelos de contratualização na saúde suplementar.
Conselho Federal de Medicina
Salomão Rodrigues Filho, Conselheiro Federal 2º Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina, disse que existe uma pirâmide no sistema suplementar de saúde que envolve o consumidor, a administradora (operadora) e o prestador de serviços (médicos/hospitais), mas que a prevalência de força está muito concentrada na operadora.
Apresentou uma pesquisa nacional feita pelo Conselho Federal de Medicina para averiguar as insatisfações dos médicos com as operadoras de planos de saúde. Segundo ele, pela ordem de concentração de queixas estão: grande predomínio de forças das operadoras de planos de saúde, interferência das operadoras na autonomia do médico, baixa remuneração, glosas injustificadas, não cumprimento da Lei 13.003/2014 e insegurança contratual.
Destacou que acredita que a precarização no sistema de saúde suplementar no Brasil pode ocorrer, mas que há como evitar. É necessário, segundo ele, desenvolver protocolos médicos para melhor orientação dos tratamentos; utilizar a atenção primária à saúde como forma de prevenção e redução de sinistralidade e o prontuário eletrônico com foco na melhoria do atendimento aos pacientes; parceria verdadeira entre as operadoras e prestadores de serviços médicos.
Também ressaltou a importância de implementar efetivamente as mudanças introduzidas pela Lei 13.003/2014, a contratualização, livre negociação, valores de remuneração e critérios de reajustes. “Não podemos permitir a adoção de novas formas de remuneração. Qualquer uma das novas formas vai tornar os avanços da Lei 13003/2014 inválidos”, completou.
Por fim, destacou que vê o sistema de saúde suplementar brasileiro como um navio adernando. De acordo com ele, pode ser melhor conduzido, principalmente se houver uma aproximação melhor entre as operadoras de planos de saúde e os médicos. “Nós médicos estamos extremamente sacrificados neste sistema. Se analisarmos os valores de remuneração e as correções que tiveram nos últimos 20 anos, os médicos perderam o seu poder aquisitivo e o seu ganho”, disse.
Conselho Brasileiro de Oftalmologia
José Beniz Neto, presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, iniciou dizendo que os sistemas de saúde de todos os países do mundo estão em permanente revisão dos seus mecanismos operacionais para honrar seus preceitos fundamentais. Desta maneira, disse que o CBO enxergou o sistema de capitation como um risco iminente para as 45 milhões de pessoas que utilizam a saúde suplementar no Brasil.
Beniz destacou que foi feito uma consulta pública entre os oftalmologistas do país, resultando em 14 mil assinaturas, pois o capitation já estaria sendo exigido em alguns contratos de oftalmologistas com planos de saúde.
Também explicou que os nefastos efeitos do capitation já foram registrados nos Estados Unidos no século 20 e o país criou barreiras legais para tal modalidade de contratação do serviço médico. “Os americanos entenderam que o pagamento fixo por mês, por grupo populacional, desencadeou o prêmio por não fazer o que deve ser feito. Ou seja, os administradores passaram a exigir tratamento e terapias mais custosas, protelar o tratamento de doenças em fases iniciais, retardar o agendamento de exames de rotina e interferir em condutas médicas e na nobre relação médico e paciente, que é um alicerce da medicina”, disse.
Ressaltou que esta tentativa frustrada de reduzir os custos em saúde se tornou objeto de estudos por diversos grupos de economistas especializados e diversos modelos seguem sendo testados nos modelos atuais para substituir o capitation, de acordo com ele veemente rejeitado nos Estados Unidos.
Associação Médica Brasileira
Florisval Meinão, Membro do Conselho Diretivo da Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB), começou afirmando que o cenário para a saúde no Brasil é desfavorável por conta dos custos crescentes por conta da maior longevidade da população e da incapacidade da população de pagar por esses custos. Segundo ele, esses desafios diminuem a capacidade de atendimento do SUS e aumenta a demanda por planos de saúde, motivo pelo qual seu número de usuários se manteve quase inalterado mesmo durante a atual crise.
No tocante à lei 9.656/1998, afirmou que foi um marco importante na saúde suplementar, pois antes dela ocorriam contratos de prestação de serviço (contratos segmentados), em que se cobriam algumas coisas e outras não e resultava em excessiva judicialização. Com o rol de procedimentos obrigatórios estabelecidos pela citada lei, segundo ele, esses conflitos foram diminuídos. Por conta do avanço no estabelecimento desse rol, Meinão fez um apelo para que os deputados não cedam a pedidos para estabelecer modelos de planos populares ou segmentados, pois isso não faz sentido do ponto de vista do paciente. E isso coloca tanto os médicos quanto os pacientes em situação vulnerável.
No entanto, ele afirmou que a Lei 9.656/1998 não regulamentou as relações entre prestadores de serviços médicos e as operadoras, o que resultou em vulnerabilidade, pois estas se mantiveram regidas pela legislação cível ordinária. Uma das consequências disso, é a falta de ajustes suficientes a esses profissionais, apesar dos custos crescentes, segundo ele.
Essa situação só foi resolvida, segundo ele com a Lei 13.003/2014, que estabeleceu reajustes anuais. Porém, a regulamentação da lei por parte da Agência Nacional de Saúde (ANS) manteve o desequilíbrio econômico existente entre a lei porque, apesar de manter o reajuste anual, permitiu que este fosse realizado com base em somente frações do índice da inflação.
Agência Nacional de Saúde Suplementar
O diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, César Serra, afirmou que não existe vedação legal para nenhum dos modelos de remuneração e que a premissa deve ser a garantia de atendimento de qualidade para o paciente. Segundo Serra, a agência não interfere nessa negociação entre médicos e planos de saúde.
“Não tem um modelo que sirva como solução única. As operadoras e os prestadores devem avaliar os prós e os contras para acordar o modelo a ser usado conforme o caso e o objetivo pretendidos. Na discussão que envolve operadora e prestadores, a gente sempre tem que colocar no centro do debate o consumidor e o paciente”, disse César Serra.
Também anunciou um seminário virtual sobre o tema para este mês, além da retomada da Câmara Técnica de Contratualização e Relacionamento com Prestadores (Catec).
Federação Nacional dos Médicos
O vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Otto Baptista, cobrou transparência nesse debate e reversão do atual quadro de precarização. “Um contrato precarizado que coloca o prestador de serviço em situação instável e insegura, tendo que trabalhar além da conta para poder chegar a um valor que o mantenha e mantenha seu consultório ou clínica. Se a gente for reivindicar uma glosa, é um 0800 e uma musiquinha: e a gente fica naquela expectativa se vai receber, se vai ter o resgate daquilo ou não. A tabela de hoje, a CBHPM, é injusta e não remunera adequadamente o profissional”, disse Otto Baptista.
Associação Brasileira de Planos de Saúde
O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde, Renato Casarotti, afirmou que a sustentabilidade financeira do setor é tão frágil quanto a da Previdência Social. Ele lembrou que, de 2010 até agora, 336 operadoras fecharam ou se incorporaram, o que representa um encolhimento de 32%. Segundo Casarotti, o pagamento por procedimento, em alguns casos, gera abusos e tratamentos desnecessários.
“Tem menos gente para pagar cada vez mais e isso faz com que o custo per capita suba. Não é uma conta fácil de fechar. Esses outros modelos surgiram para fazer frente ao que vinha acontecendo na saúde suplementar como um todo. Sempre haverá pagamento por procedimento, mas, como único modelo ou modelo preponderante, ele gera desvio sim”, disse Renato Casarotti.
Ele acrescentou que, “independentemente do modelo de remuneração, deve-se melhorar os desfechos clínicos, reduzir o custo per capita da assistência e melhorar a experiência do paciente”.
Federação Nacional de Saúde Suplementar
Vera Valente, Diretora Executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar, argumentou que a busca de novos modelos de remuneração é uma tendência mundial. Foi citada uma pesquisa, feita nos Estados Unidos, que aponta burocracia administrativa, tratamento excessivo, fraude, sobrepreço e falha no atendimento como as principais fontes de desperdício no setor.
Especialista em Legislação de Saúde no Brasil
Valério Augusto Ribeiro, Advogado e escritor especialista em Legislação de Saúde no Brasil, falou sobre o modelo capitation, no qual a operadora contrata normalmente um único prestador e delega a ele toda a demanda de uma especialidade considerando o número de vidas. Ele ressaltou que no modelo existe uma ideia de abuso por parte dos prestadores. O advogado explicou que o modelo capitation estimula de maneira perversa que o prestador deixe de prestar a sua assistência quando estiver próximo do seu teto de remuneração. Possivelmente vai diminuir os atendimentos, a alta complexidade e no final das contas, quem vai perder é o usuário dos planos de saúde.
Ribeiro destacou o posicionamento da ANS a respeito de uma circunstância que tente limitar a qualidade assistencial. A Sumula Normativa 16/2011, veda as operadoras de planos de saúde adotarem ou utilizar mecanismos de regulação baseados meramente em parâmetros estatísticos de produtividade, os quais impliquem em inibição a solicitação de exames diagnósticos complementares pelos prestadores de serviços de saúde.
Ele informou ainda que o Conselho de Saúde Suplementar também possui a resolução 8/1998, que expressa que a adoção de práticas referentes a regulação da utilização de serviços de saúde veda qualquer atividade ou prática que infringe o código de ética médico. Reforçou que o capitation limita, através de remuneração única, toda atividade assistencial destinada a uma único prestador.
Também foi ressaltado por ele o posicionamento do CADE que fala sobre o poder econômico das operadoras sobre os prestadores. Ele disse que o CADE informa que o poder de compra de planos de saúde diminui a quantidade de serviços médicos ao longo prazo. Diz ainda, que diminui a qualidade de serviço. Falou ainda do Conselho Federal de Medicina, que em sua resolução do código de ética 227/2018, é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção da saúde e de prevenção diagnóstica e tratamento de doenças cientificamente reconhecidas e ao seu alcance em favor de seu paciente. A omissão do médico no exame, fará com que ele incida em um processo de responsabilidade civil, por não ter tratado corretamente seu paciente.
Por fim, informou que existe uma legislação especifica que veda esse tipo de comportamento com relação a imposição da forma como vem ocorrendo no capitation sobre os modelos de remuneração na oftalmologia.
Parlamentares
O Deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) anunciou que a Câmara vai buscar a superação dessas divergências por meio da Comissão Especial dos Planos de Saúde. O colegiado vai analisar 249 projetos de lei que tratam do tema (PL 7419/2006 e apensados). “Na comissão especial vamos nos debruçar no tema. Vamos tentar aperfeiçoar esse modelo. Isso vai ser discutido por todas as instituições que têm interesse na matéria”, explicou.
O Deputado Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. (PP-RJ) disse que o modelo atual pode ter muito problema, mas, de uma forma ou de outra, consegue atender o conceito do usuário que busca um plano de saúde. As operadoras são empresas privadas e têm que buscar o lucro, mas têm que se ater à prestação de serviço de qualidade para quem está comprando aquele serviço.