A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública nesta quinta-feira (8) sobre o Projeto de Lei 1998/2020, que regulamenta a telemedicina após a Pandemia de Covid-19.
Conselho Federal de Medicina
Donizetti Dimer Giamberardino Filho, 1° Vice-Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), falou que o CFM coordena, atualmente, a comissão de revisão da Resolução CFM 227, que não está mais em vigor. Segundo ele, a estruturação da revisão foi feita e, assim revogada no início de 2019. Também explicou que foram feitas consultas aos médicos e as entidades médicas sobre a reformulação da resolução.
Giamberardino destacou a dimensão da complexidade de uma resolução em um país com desigualdades sociais e de distribuição dos serviços de saúde como no Brasil. Ressaltou que 70% da população é atendida pelo SUS e 30% atendida no sistema de saúde suplementar e há ainda, as diferentes distribuições de médicos, especialidades médicas e serviços hospitalares, o que traz dificuldades, disse.
Mas salientou que a telemedicina traz também oportunidades. De acordo com ele, é possível trazer acesso às necessidades de saúde, corrigir a fragmentação dos sistemas de saúde, integrar a rede de assistência, racionalizar recursos, melhorar a qualidade da saúde médica, e transferir conhecimento e experiência entre serviços.
Também enfatizou que a telemedicina não é uma nova medicina, não veio para substituir o médico, mas para trazer mais um médico propedêutico. “O médico tem que ter em seu raciocínio clínico a habilidade de usar esses benefícios, seja da inteligência artificial, seja das formas de exames físicos a distância. A telemedicina é um ato complementar da medicina”, disse.
Sobre os princípios da telemedicina, disse que o CFM defende a autonomia com limites. Explicou que a autonomia de uma pessoa é ligada a informação e demanda responsabilidade. Ou seja, a autonomia do médico está no limite do benefício ao próximo. Falou também sobre a autonomia do paciente, segundo ele, este precisa do direito de escolher se será ou não atendido por telemedicina. Em suma, defendeu a autonomia de escolhas das plataformas.
Associação Médica Brasileira
O Dr. César Fernandes, Presidente da Associação Médica Brasileira, iniciou relembrando que a telemedicina é ampla e não se resume à teleconsulta. Dentre as modalidades há a teletriagem, telemonitoramento e teleorientação, por exemplo.
Reiterou que a AMB só atua em projetos que sejam favoráveis aos pacientes e que sejam benéficos para o exercício da medicina. Nesse sentido, defendeu que a telemedicina é favorável aos pacientes e benéfica ao exercício da medicina, porém tem algumas preocupações quanto ao segundo ponto. Dentre essas preocupações está a invasão de não médicos nas teleconsultas (principalmente por parte de grandes corporações). Ainda nesse ponto, segundo ele, a telemedicina deve remunerar igual à medicina presencial, para evitar a precarização do trabalho. Isso decorre do fato que a modalidade à distância exigir mais do médico.
Fernandes também citou uma pesquisa da AMB feita junto aos médicos, a qual mostrou que a maioria dos entrevistados (66%) defende a autonomia para definir se a primeira consulta pode ser à distância. Também externou o posicionamento da AMB de liberdade do médico para determinar se a primeira consulta à distância é suficiente ou não. Ou seja, o médico teria autonomia para dizer se há uma necessidade posterior de consulta física para auxiliar nas hipóteses diagnósticas.
Com base nisso, também defendeu que a lei que regulamente a telemedicina seja universal (para todas as especialidades médicas). Os casos de especialidades que não abarquem a possibilidade à distância seriam resolvidos com a autonomia do médico.
Sobre a territorialidade, citou uma pesquisa com médicos na qual 62% responderam que a telemedicina não deve ser restrita ao Estado onde o médico atua e possui registro, o que referenda o posicionamento da AMB sobre o assunto.
Em sua fala ao final, Fernandes afirmou que a Deputada Adriana Ventura (Novo-SP) manifestou opiniões coincidentes com as da AMB. Também ressaltou que “ninguém ainda ouviu o interessado: o paciente”. Segundo ele, a opinião destes é importante e ele acredita que a maioria responderia que gostaria de ter acesso à telemedicina. Ademais, segundo ele, com o 5G, a conectividade irá aumentar, o que possibilitará maior acesso às consultas à distância.
Finalizou rebatendo algumas falas: citou que é falacioso o argumento de que a relação virtual entre médico e paciente seria fria, pois isso depende de cada profissional; e falou que seria competência do Legislativo definir onde o médico responderia em caso de atender paciente de outro Estado. Caso isso seja um encargo para o médico, ele defende que este poderia valer de sua autonomia para restringir seu atendimento ao seu Estado.
Federação Nacional dos Médicos
Gutemberg Fialho, Presidente da Federação Nacional dos Médicos, reiterou que a telemedicina não é nova, porém a teleconsulta o é. Na linha do CFM, defendeu que a primeira consulta sempre deve ser presencial. Um dos motivos citadosda por ele é a proteção do mercado de trabalho, pois a FENAM não quer a substituição dos médicos por empresas que vendem a teleconsulta. Segundo ele, dar a opção de uma primeira consulta presencial diminuiria a qualidade do serviço.
Ainda sobre o assunto do mercado de trabalho, citou pesquisas de mercado que mostram que os preços das consultas se reduziram, em média, a 60% do valor da presencial durante pandemia. Também mostrou preocupação quanto à segurança jurídica e à responsabilidade civil, arguindo seus pares sobre se ele seria no domicílio do paciente ou do médico, no caso de eventual processo legal no qual médico e paciente estarem em entes federativos diferentes.
Finalizou afirmando que sua principal preocupação é a pressa na implementação da teleconsulta. Falou que se devem consolidar princípios antes de sua implementação, pois se ela ocorrer de uma forma descontrolada, sem limites e sem princípios, o processo seria marcado por “barbárie” com a queda da qualidade no serviço e não levando acessibilidade aos rincões do Brasil pois a conectividade de internet no país não é de qualidade.
Agência Nacional de Saúde Suplementar
Pedro da Silveira Villela, Diretor-Adjunto da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, falou do Projeto de Lei 1998/2020 explicando que a ANS em nada se opõe a matéria. Segundo ele, a proposta representa uma alternativa de acesso, otimiza a mão de obra especializada, reduz os custos, intensifica o cuidado remoto e facilita triagens evitando superlotações desnecessárias.
Disse ainda que a ANS teve de se manifestar sobre a viabilização da telemedicina durante o período da pandemia, já que houve o isolamento social. Assim, a agência concluiu que os serviços de atendimento por meios tecnológicos de comunicação à distância não se caracterizam como novos procedimentos, mas apenas como uma modalidade de atendimento não presencial, na intenção de garantir as coberturas que já são obrigatórias.
Villela também apresentou alguns dados do setor relativos à telessaúde. De acordo com ele, desde que o atendimento à distância foi viabilizado na saúde suplementar, em abril de 2020, as operadoras de planos de saúde informaram à ANS a realização de aproximadamente 884,4 mil procedimentos nessa modalidade, entre consultas, atendimentos e terapias realizados por médicos, dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outras especialidades.
Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde
Luiz Ary Messina, Coordenador Nacional da Rede Universitária de Telemedicina na Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e Presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde, defendeu quatro pontos necessários para a estruturação da saúde digital no país, envolvendo todos os pontos. São eles: a ciberinfraestrutura, interoperabilidade, recursos humanos e governança.
Informou também que a Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde tem feito Webinar com os Conselhos Federais das profissões da saúde e estão seguindo nessas discussões para que todas as regulamentações sejam observadas dentro da prática dos profissionais da saúde.
Por mim, defendeu a formação e qualificação de profissionais para a telessaúde e enfatizou que os profissionais da saúde tenham cursos de curta duração. Também falou que é importante a criação de mestrados profissionais em telemedicinas e telessáude e oferta de disciplinas e estágios sobre o tema na graduação.
Diretor-Executivo da Associação Nacional de Certificação Digital
Egon Schaden Junior, Diretor-Executivo da Associação Nacional de Certificação Digital, explicou sobre alguns conceitos de assinaturas eletrônicas, sendo elas: simples, avançadas e as qualificadas. De acordo com ele, a assinatura avançada e a qualificada são as mais utilizadas e recomendadas na telemedicina.
Mencionou que a assinatura qualificada é utiliza o padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil), já a assinatura avançada utiliza outro processo e outros protocolos, porém é utilizada no prontuário médico eletrônico.
Também destacou que o ICP-Brasil é uma infraestrutura nacional om 20 anos de excelência na oferta de identidades digitais seguras para os brasileiros. “O Governo Federal detém de autarquia própria que fiscaliza, audita e credencia entes privados. Também estabelece protocolos rígidos de segurança e cria normativas e resoluções para proteger as identidades e garantir a confiança e a segurança”, completou.
Sociedade Brasileira de Informática em Saúde
Luis Gustavo Gasparini Kiatake, Presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde, ressaltou que os médicos precisam de conhecimento e técnica de uso e de ferramentas confiáveis. Assim, disse que a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde criou um processo de certificação para sistemas de registro eletrônico em saúde. Explicou que esta certificação foi uma demanda do Conselho Federal de Medicina para que os médicos pudessem fazer uma diferenciação dos sistemas de maior qualidade e os de menor qualidade. “Existe uma banca de auditores que auditam item por item. Já foram feitas mais de cem auditorias, é um processo bastante estável e reconhecido no país”, completou. Dentro deste processo de certificação, explicou que foi lançada uma categoria específica de telemedicina com três focos: teleconsulta, teleinterconsulta e teletriagem.
Parlamentares
A Deputada Adriana Ventura (Novo-SP), autora do PL 1998/2020, defendeu a autonomia médica. Segundo a parlamentar, o médico que deve decidir se faz uma primeira consulta ou não. Também falou que não vê sentido, por exemplo, em um paciente do Acre pegar o avião e ir se consultar com algum especialista no Rio de Janeiro. Para ela, os prejudicados sempre serão os que não podem pagar por uma viagem assim, como várias pessoas que utilizam o Sistema Único de Saúde.
O Deputado Odorico Monteiro (PSB-CE) disse que a categoria médica no Brasil está cometendo mais um erro, o parlamentar explicou que enfrentou o mesmo debate quando foi criado as primeiras equipes de saúde da família no Brasil em 1994. Segundo ele, a categoria não aceitava a saúde da família, mas que hoje os médicos da atenção primária têm os melhores planos de carreira e salários. “Quando a categoria médica e o Conselho Federal de Medicina se porta pelos estudos demográficos, há falácias. Precisamos fazer estudos com base nas necessidades de saúde da população e não ficar discutindo a telemedicina à luz da reserva de mercado”, completou.
No entanto, o Deputado Odorico Monteiro ressaltou que houve contraditórios relevantes durante o debate. Segundo ele, as contribuições trazidas pelo Dr. César, presidente da AMB são muito importantes.
Já o Deputado Zacharias Calil (DEM-GO) disse que tem pavor do termo reserva de mercado. Esclareceu que é a favor da tecnologia, mas é preciso olhar para os honorários dos médicos. Para ele, isso preocupa porque o médico não pode ser funcionário da operadora. Também acha que a telemedicina é para as grandes cidades, pois não é toda cidade do Brasil que detém de boa conexão com a internet.