Brasília, urgente

Comissão do Senado Federal debate o reajuste dos planos de saúde

Representantes de médicos, hospitais e entidades de defesa do consumidor cobraram da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) uma atuação mais firme sobre os reajustes de planos de saúde privados. Em audiência na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado (CTFC) nesta segunda-feira (21), os participantes destacaram que os planos são prioridade no orçamento da população. 

O Senador Reguffe (Podemos-DF), presidente da comissão, afirmou que o modelo atual permite uma “artimanha” das operadoras de planos de saúde que “empurra” os consumidores para os planos de modalidade coletiva, em que não há a garantia de renovação automática e nem regras para reajuste. Reguffe é autor de projeto de lei que dá tratamento jurídico de plano individual aos planos coletivos com menos de 100 beneficiários ( PLS 133/2015). 

“É importante que a ANS faça uma reflexão sobre essa questão, já que hoje é muito difícil conseguir ver planos de saúde individuais no mercado. O consumidor, muitas vezes até por desinformação, é obrigado a consumir planos coletivos em que não há garantia de que ele vai ficar no plano quando tiver uma doença grave”, disse. 


Agência Nacional de Saúde Suplementar 

A ANS participou da audiência apresentando um panorama da regulação de planos de saúde e se colocando à disposição dos vários setores para mais tratativas sobre o tema discutido. O diretor-presidente substituto da agência, Rogério Scarabel Barbosa, declarou que a ANS monitora os reajustes que são efetuados e atualmente trabalha para divulgar essas informações de modo mais eficiente e detalhado. 

Fabrícia Goltara, Gerente-Geral de Estrutura e Produtos, disse que hoje 93,2% dos beneficiários em planos são regulamentados à Lei 9656/1998 e 6,8% estão em planos anteriores a Lei, por isso não estão submetidos à regulamentação da agência. Também explicou que atualmente são 699 operadoras de planos de saúde, 17.962 planos de saúde disponíveis para a comercialização. No total, disse que são mais de 48 milhões de beneficiários de planos de saúde no total.  
Também apresentou dados sobre os beneficiários por modalidade de operadora. De acordo com ela, as medicinas de grupo contêm 40% dos beneficiários, as cooperativas médicas 36%, as seguradoras 13%, as autogestões 9% e as filantropias 2%.  

Sobre os planos disponíveis para a contratação, destacou que 53% são empresariais, 22% são individuais e 25% por adesão. Destes, 90% são ambulatoriais e hospitalar, 7% ambulatoriais e, por fim, 5% hospitalar, explicou.  

Daniele Rodrigues, Gerente Econômico-Financeira e Atuarial dos Produtos, iniciou explicando sobre os princípios básicos que permeiam o setor de saúde suplementar. Entre estes, citou o mutualismo que, de acordo com ela, é a associação entre membros de um grupo no qual suas contribuições são utilizadas para propor e garantir benefícios aos seus participantes, portanto está relacionado à união de esforços de muitos em favor aleatório de alguns elementos do grupo. Também citou o pacto intergeracional, no qual os mais jovens ajudam a financiar os mais idosos. 

Daniele explicou sobre as variações de mensalidade por faixa etária, que ocorrem cada vez que o beneficiário atinge uma idade que represente o início de uma nova faixa etária. Segundo ela, essa variação visa garantir o pacto entre gerações e não há a necessidade de autorização prévia da ANS, desde que a cláusula esteja de acordo com a norma vigente à época da contratação.  

Também falou sobre o reajuste por variações de custos, que são aplicadas em razão da variação dos custos médico-hospitalares e ocorrem uma vez a cada doze meses, no aniversário do contrato. Este reajuste visa garantir a sustentabilidade do plano, explicou.  

Já sobre o reajuste anual por variação de custo, ressaltou que não são índices de preço, mas sim índices de valor que medem a variação de preços e de quantidades consumidas. 


Associação Brasileira de Auditores em Saúde 

Alexander Jorge Saliba, Presidente da Associação Brasileira de Auditores em Saúde, disse que acha que a ANS é uma entidade fundamental, pois comparou com os anos anteriores no qual não existia a regulação da agência. Assim, a agência colocou ordem e normas no mercado de planos de saúde. Contudo, disse que a agência tem atitudes incompreensíveis. Segundo ele, a ANS não tem competência legal para fiscalizar, controlar e normatizar prestadores de serviços e fornecedores de equipamentos, medicamentos e demais insumos. “Não há como atuar como reguladora no mercado de saúde suplementar, que é imperfeito, atuando apenas em relação a um ator econômico, o que é, ainda, uma visão equivocada ou intencionalmente incorreta”, completou. 

Também disse que o modelo da ANS resultou numa concentração de mercado; ou seja, quando a ANS foi criada, haviam mais de 4 mil seguros de saúde. Hoje há 717, e cada vez concentrando mais. Segundo ele, essa concentração vai levar, a um número cada vez maior de beneficiários presos a um número menor de administradoras de planos de saúde, o que é uma formação de oligopólio no setor bastante ruim para o consumidor, disse. 

Saliba questionou ainda o porquê a agência utiliza o modelo nas autogestões, como se as autogestões fossem uma empresa de mercado, de acordo com ele, ela não é. “A ANS não pode atuar livremente no mercado consumidor, não tem finalidade lucrativa, apresenta dificuldade para a construção de reservas financeiras e outras obrigações estabelecidas pela ANS que exige delas um comportamento junto à agência como se elas fossem operadoras do mercado de saúde e elas não são”, ressaltou. 

Comentou também sobre os reajustes de preço. Na sua visão, os valores que hoje são reajustados nos planos coletivos são muito altos e porque as operadoras precisam melhorar o seu ganho para poder pagar o que está sendo utilizado. Porém, as administradoras de benefícios ficam com mais ou menos 15% dos valores desses contratos, nas palavras dele. Ressaltou também que elas não têm função nenhuma, porque não oferecem nada além do intermediário e que não há nenhum fator econômico que as justifique. 

Sobre o rol da ANS, disse que o que deve ser incorporado não deveria ser um objeto único e exclusivo das eventuais investigações e modelos que a ANS coloca, mas deveria ser objeto de um estudo muito apurado que envolvesse uma grande área da sociedade, que envolvesse a ANS, a Anvisa, a Conitec, sociedades médicas, auditores médicos e de enfermagem, fornecedores de medicamentos e materiais, prestadores, para julgar o que realmente tem custo-benefício. 

Por fim, defendeu que a remuneração correta para médicos, para prestadores, com a devida fiscalização, pode gerar uma melhoria do processo, acrescido de um sistema compreensível de como é montada a precificação. Comentou que hoje os dados não explicam, por exemplo, de onde saiu determinado custo. Eles dizem que houve o custo, mas de acordo com ele, esse custo não foi auditado. 


Associação Nacional de Hospitais Privados 

Marco Aurélio Ferreira, da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), apresentou as dificuldades dos hospitais durante a pandemia, ressaltando aumento de custos com materiais e internações e queda de faturamento com exames. 


Associação Brasileira de Odontologia 

Já Daniela de Assis Moya Yokomizo, Primeira Secretária da Associação Brasileira de Odontologia Seção do Distrito Federal, destacou que a saúde suplementar é composta pelos planos, pelos prestadores de serviço e pelos usuários e que é imprescindível que se tenha sempre em mente os interesses de todos os segmentos que o compõem, mas, segundo ela, um grande desequilíbrio acontece na Odontologia.  

Ela explicou que os prestadores da odontologia não fazem parte da formação de valores dos preços que os planos pagam ao dentista e que esses valores repassados pelos planos estão bem abaixo do custo que os prestadores têm para realizar os procedimentos. “Os valores repassados não cobrem sequer os custos para a biossegurança. Na odontologia, o valor repassado pelo plano serve para pagar o material usado para executar o serviço, o pró-labore do dentista e os custos de manutenção de todo o consultório ou clínica dele”, completou. 


Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor 

Matheus Zuliane Falcão, Analista do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, começou criticando o fato de que os planos individuais terem um reajuste anual máximo estabelecido pela ANS, enquanto os planos coletivos não. De acordo com a ANS, a razão para isso é que existe um poder de barganha entre os contratantes no caso dos planos coletivos. Contrapondo esse argumento, Matheus citou que há diversas evidências de que esse poder de barganha não existe e de que os reajustes são muito mais elevados no mercado de coletivos do que no de individuais. 

Para fomentar sua fala, citou uma pesquisa do Ipea, de 2019, que mostra que, num período de 18 anos, a inflação acumulada dos planos de saúde foi de 382%, muito superior à de outros índices, inclusive do IPCA Saúde, que foi de 180%.  
No tocante a reclamações de consumo, Matheus citou que, no ranking do Idec, de reclamações sobre problemas de consumo, nos últimos três anos, o assunto saúde, especialmente de planos de saúde, aparece sendo o item mais reclamado. Apenas em 2020, ficou um pouco abaixo de serviços financeiros. Também citou uma pesquisa do Idec do final de 2020, que analisou cinco anos de reajustes das cinco empresas mais reclamadas no próprio instituto. O resultado foi que elas tiveram reajuste médio de 11,28%, enquanto os reajustes individuais máximos foram de 8,14%. Essa evidência sugere é que mais uma vez os reajustes dos planos coletivos são mais elevados do que o dos individuais. Por isso, segundo ele, é tão urgente alguma resposta institucional para essa questão dos altos reajustes dos planos coletivos, notadamente por parte da ANS. 


Federação Nacional de Saúde Suplementar 

Vera Valente, Diretora-Executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde, confirmou que os hospitais conviveram com mais custos, mas observou que o ano de 2021 traz uma “tempestade perfeita” para as operadoras de planos de saúde, com uma recuperação rápida no número de procedimentos eletivos ao mesmo tempo em que continuam crescendo as internações por covid-19. Ela apontou que 85% das receitas das operadoras é repassada para os prestadores de serviço, e pediu cautela na adoção de medidas de regulação mais restritiva. 

“A maioria das operadoras, 56%, são de pequeno porte. Dessas, 80% estão no interior do Brasil, que são regiões em que, normalmente, elas são a única opção de atendimento alternativa ao SUS. É muito importante olhar esse universo, porque essas operadoras serão as primeiras a serem impactadas”, disse. 
Ela destacou, também, que os planos são importantes para desafogar o sistema público de saúde, e que eles [os planos] absorverão boa parte das consequências da média de idade crescente da população brasileira nos próximos anos, como o aumento na incidência de doenças crônicas, que requerem tratamento constante, disse.


Ministério da Justiça 

Frederico Moesch, Coordenador-geral de Estudos e Monitoramento de Mercado da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, destacou que o setor precisa de mais cuidado devido ao valor que os brasileiros enxergam nesse tipo de gasto. 

“A pandemia não trouxe um aumento grande de inadimplência, como aconteceu em diversos outros setores. Houve estabilidade e, em alguns momentos, até queda na inadimplência. Por isso que nós dizemos que o consumidor brasileiro elegeu o seu plano de saúde como uma prioridade no seu orçamento e fez um esforço muito grande para manter o pagamento”, destacou. 

Disse também que nos planos coletivos, que são contratados por empresas ou associações em nome dos seus funcionários ou filiados, o reajuste fica por conta de negociações entre as partes, sem regras estabelecidas pela ANS.

Além disso, Frederico Moesch observa que esse modelo facilita um “subsídio cruzado”, em que contratantes com maior poder de pressão obtêm reajustes mais vantajosos que são compensados por reajustes maiores sobre contratantes menos influentes junto às operadoras. 


Associação Médica Brasileira 

Dr. César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira, iniciou dizendo que existe um problema que deve ser admitido e diz respeito a capacidade de pagamento que os beneficiários, através das suas diferentes formas de associação, previstas pela ANS para os planos, têm para fazer suporte a esses aumentos que vêm acontecendo. 

Também lembrou que os planos de saúde são um sonho de consumo da maioria dos brasileiros, com a ideia de que, com o plano de saúde, ele terá uma assistência médica melhor qualificada. E, uma vez que ele atinge esse status de ter o seu plano de saúde, ele fará de tudo para não perder o plano de saúde e irá suportando, progressivamente, até quando possível, em detrimento de outras prioridades que ele poderia ter ao longo da sua vida.  

“Veja que, mesmo numa condição de tragédia sanitária como a que nós vivemos, o índice de inadimplência, curiosamente e paradoxalmente, não caiu. Esse é um dado que nos promove uma enorme reflexão a esse respeito. Será que, durante a pandemia, aumentou a capacidade de pagamento dos beneficiários, através dos diferentes planos por meio dos quais eles têm acesso ao plano de saúde? Será que aumentou a sua capacidade de pagamento? Certamente, não. Ela diminuiu, mas ainda assim, os índices de inadimplência são baixos, o que mostra um esforço quase que sobre-humano das pessoas para fazerem frente aos elevados custos, progressivamente cada vez maiores”, disse. 

Ressaltou que o sistema dos planos de saúde suplementar tem três players: as operadoras; os prestadores de serviço, incluindo médicos, dentistas, hospitais, laboratórios, todos os prestadores de serviço; e tem os beneficiários. “Se não houvesse beneficiários, não haveria plano de saúde, não haveria prestadores”, completou. 

Desta maneira, Fernandes disse que a pressão maior está em cima dos beneficiários. No entanto, destacou que os médicos também não estão com a fatia maior. “Não defendemos que as operadoras têm que operar com prejuízo. Porém, as regras precisam ser mudadas, são muitas regras. É preciso procurar regras únicas; metodologia que seja compreensível por todos e que seja perfeitamente auditável, porque não adianta apresentar o número, é necessário ficar clara”, disse. 
Ademais, enfatizou que a ANS detém de corpo técnico competente. Contudo, a agência está afastada das negociações. As negociações são feitas entre as partes, entre a operadora e entre os beneficiários, através dos planos de saúde contratados. De acordo com ele, é necessário a ANS fazer a arbitragem deste processo.  


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