A comissão especial da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar as ações de combate ao câncer no Brasil debateu, nesta terça-feira (12), sobre a compra, distribuição e gestão dos medicamentos para a doença.
Instituto Lado a Lado
A diretora do Instituto Lado a Lado, Denise Blaques, disse que o desabastecimento de medicamentos para o tratamento do câncer ocorre em virtude da falta de planejamento. “Hoje em dia a compra é feita por licitação com planejamento de compra a cada doze meses. Compra-se um lote de medicamentos que é dividido entre todos os pacientes, enquanto a próxima compra não é realizada, prejudicando o acesso dos pacientes ao tratamento continuo”, explicou. Para ela, essa metodologia de aquisição causa falhas enormes e delay para os pacientes que ficam desassistidos por até 3 meses, interrompendo seu tratamento.
Ela também pontuou que a incorporação de uma nova tecnologia no SUS não garante que o paciente terá acesso ao tratamento. “Um novo medicamento tem levado em média 3 a 5 anos para chegar ao paciente, um exemplo disso é o medicamento para câncer melanoma”, ressaltou.
Outro ponto abordado por Denise foi sobre a administração de medicamentos vencidos. Para ela, eles poderiam estar destinados, antes do vencimento, aos pacientes de outros estados. Apontou, ainda, que os recursos repassados para a saúde não acompanham a alta dos preços de medicamentos oncológicos.
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE)
Catherine Moura, médica sanitarista e diretora-executiva da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE), mencionou que pesquisa realizada pela associação demonstra que a porcentagem de pacientes que tiveram problemas para retirar medicamentos para tratar a doença aumentou de 15% em 2020, para 31% em 2021. Já em 2019 e 2021, foi detectado que 3 a cada 10 pacientes enfrentam alguma dificuldade para ter acesso ao medicamento prescrito pelo médico.
A médica também destacou a pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia e pelo Comitê de Farmácia da Abrale, que constatou que nos anos de 2019 e 2021, inúmeros medicamentos antineoplásicos foram descontinuados, e não possuem substituto no mercado. “Isso impacta na vida dos pacientes, e acarreta descontinuidade no tratamento de inúmeras patologias oncológicas”, alertou.
Como proposta de solução para o desabastecimento dos medicamentos, ela citou a necessidade de realizar ações que visam garantir a transparência, gestão e a criação de um marco regulatório no que tange a aquisição das tecnologias.
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)
Paulo Hoff, Médico Oncologista e Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), falou sobre a necessidade de atualização das APACs no que tange ao financiamento do tratamento dos pacientes com câncer no país. Ele lembrou que o modelo de financiamento foi estabelecido nos anos 90 e, na época, foi uma solução extremamente efetiva para disponibilizar os medicamentos de forma equânime. Porém, ressaltou que com o passar dos anos, o modelo acabou se tornando não adequado à incorporação de novas medicações, que têm custo bastante superior às que são convencionalmente disponíveis para o tratamento desses pacientes.
Para ele, a variabilidade de custos tornou a APAC um modelo de financiamento muito complexo e, talvez, seja parte da dificuldade que existe na incorporação de novos medicamentos no SUS. “Nós precisamos fazer uma modificação nesse modelo de aquisição. Precisamos discutir um aperfeiçoamento da APAC ou criar outro modelo de aquisição que seja mais viável no nosso país, que é a aquisição centralizada de medicações de alto custo, com distribuição pelo Ministério da Saúde às unidades da federação”, finalizou.
Também ressaltou a importância da atuação do Governo Federal para evitar o desabastecimento de medicamentos mais baratos e importantes para o tratamento dos pacientes com câncer.
Associação Médica Brasileira (AMB)
Marisa Madi, representante da Associação Médica Brasileira (AMB) e diretora-executiva da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), disse que apesar de estar ocorrendo um avanço tecnológico muito grande na oncologia, não acontece essa atualização nas prestações dos serviços de saúde. Para ela, existe a necessidade de rever a organização dos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde. “A gente precisa investir para que o SUS consiga dar resposta tanto para as demandas de condições de saúde, quanto de atualização tecnológica”, reforçou.
Interfarma
Eduardo Calderari, vice-presidente da Interfarma, ressaltou a importância de discutir sobre gestão em saúde no SUS. Para ele, existe uma gestão ineficiente dos recursos públicos. “Nós precisamos ter investimento não só na gestão dos tratamentos, mas também na oferta de diagnóstico precoce, o que pode possibilitar tratamentos menos custosos e melhores oportunidades de vida para os pacientes”, disse.
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF)
Clarissa Rodrigues Soares, Coordenadora do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) do Ministério da Saúde, falou sobre como se dá a aquisição dos medicamentos para o tratamento do câncer. Explicou que a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES-MS) é responsável pelas políticas oncológicas, formada por hospitais habilitados públicos ou privados, que são responsáveis por padronizar, adquirir e fornecer os medicamentos antineoplásicos. Porém, informou que o Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF) aproveitando-se da sua experiência, assumiu a aquisição centralizada de determinados itens, como: mesilato de imatinibe; rituximabe; trastuzumabe; pertuzumabe; nilotinibe e dasatinibe. Ela destacou que esses medicamentos são enviados para as secretarias estaduais de saúde, que fazem a logística para a Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e para o Centro de Alta Complexidade em Onologia (CACON).
Parlamentares
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) ressaltou a importância de garantir que as legislações existentes para garantir o acesso dos pacientes ao tratamento sejam cumpridas por todas as esferas de governos. Falou também sobre o dano que a falha na garantia e aquisição dos medicamentos pode causar aos pacientes. “Gera atraso no início do tratamento, colocando em risco a vida do paciente em termos de resposta clínica. O tratamento é interrompido por desabastecimento do estoque”, disse. Ela também chamou atenção para a necessidade de esclarecer quais são os medicamentos em que a competência de fornecimento é da União, dos estados ou dos serviços habilitados para dar atendimento da quimioterapia em determinada região.
A proponente do debate e relatora da comissão especial, deputada Silvia Cristina (PL-RO), reforçou a importância da gestão do serviço público. Ela lembrou que foi relatora da MP 1067, que estipula prazo para análise de novas tecnologias para o tratamento do câncer pela ANS. “Com tantos avanços que temos na tecnologia, era vergonhoso o prazo que tínhamos”, afirmou. Informou que o relatório final da Comissão Especial será elaborado e enviado ao Ministério da Saúde, contando com as contribuições apresentadas nas audiências públicas.
Por fim, o coordenador da comissão, deputado Weliton Prado (PROS-MG), informou que as contribuições apresentadas nos debates serão analisadas, e as que forem do ponto de vista legislativo, serão apresentadas através de proposições.