Boletim 03/2021: Protocolo para triagem de pacientes em UTIs
[Coletiva de imprensa – 09/04/2021] Recomendações para triagem de pacientes em UTIs no atual momento da pandemia – CEM-Covid_AMB
A crise imposta pela COVID-19 está sendo um desafio sem precedentes ao sistema de saúde brasileiro. Há um aumento de demanda por serviços especializados como emergências e unidades de terapia intensiva e como consequência também por insumos básicos como medicamentos, oxigênio, ventiladores mecânicos e equipamentos de proteção individual.
Apesar dos esforços de ampliação da rede de serviços emergenciais o agravamento da crise nos traz o inimaginável: o número de pessoas que precisam de ventiladores mecânicos e leitos de UTI é maior do que o sistema de saúde já em capacidade de contingência consegue acomodar, trazendo consigo o aumento do número de mortes tanto de pacientes portadores de COVID-19 quanto de pacientes portadores de outras doenças.
Diante dessa tragédia, decisões difíceis sobre como alocar recursos em esgotamento são inevitáveis e recaem sobre os profissionais da saúde que atuam na linha de frente do cuidado. A Associação Médica Brasileira (AMB) compreende que é de responsabilidade das sociedades científicas oferecer recomendações a esses profissionais sobre como continuar a conduzir suas missões de salvar vidas em situações de tamanha excepcionalidade.
A ausência de recomendações sobre como alocar recursos em esgotamento não só contribui com o aumento do número de mortes. Contribui também com o aumento na carga de estresse moral dos profissionais da saúde já esgotados após um ano de enfrentamento da pandemia e com a erosão da credibilidade dos serviços de saúde quando decisões são tomadas de maneira inconsistente, com critérios pouco claros ou eticamente questionáveis. Para ser eticamente defensível a alocação de recursos em esgotamento não deve ocorrer em segredo. Ao contrário, deve ser baseada em protocolos transparentes, tecnicamente bem embasados e alinhados ao arcabouço ético e legal brasileiro.
Com o objetivo de salvar mais vidas, defender a transparência e proteger os profissionais de saúde a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Associação Brasileira de Medicina de Emergência, Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e Academia Nacional de Cuidados Paliativos juntaram forças na elaboração das Recomendações de Alocação de Recursos em Esgotamento durante a pandemia de COVID-19. Este documento foi avaliado e aprovado pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Essas recomendações foram desenvolvidas para serem seguidas apenas em momentos de crise, ou seja, quando mesmo as medidas de contingência estão sendo insuficientes para acomodar o aumento da demanda de recursos que estão se esgotando. São baseadas em procedimentos claros, transparentes, éticos, racionais, legais e técnicos, que tem o objetivo de proporcionar suporte e auxílio aos profissionais de saúde, que, no espectro de sua prática, deverão participar da tomada de decisões complexas relativas à alocação desses recursos. Por não serem recomendações apenas técnicas, a construção dessas recomendações consultou e ouviu a opinião de advogados, membros do judiciário, e bioeticistas como o objetivo de buscar uma maior legitimidade tanto normativa quanto técnica.
Em especial destacamos que o presente protocolo busca alinhamento com os critérios da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº. 2.156, de 28 de outubro de 2016 cujo racional normativo prioriza a oferta de vagas de UTI a pacientes com maior probabilidade de recuperação, recomendando que pacientes com baixa expectativa de recuperação e próximos da morte recebam, preferencialmente, cuidados paliativos. Além disso, o protocolo contribui com a aplicação da resolução em momentos críticos da pandemia ao oferecer critérios para a avaliação de probabilidade de recuperação, aliviando o profissional da linha de frente do peso emocional e moral dessa árdua tarefa e favorecendo uma maior consistência das decisões tomadas nos diversos contextos de atendimento.
O modelo de triagem reconhece que em situações de crise só é possível salvar o maior número de vidas se conseguirmos identificar os pacientes que tem mais chances de sobreviver ao receberem recursos em esgotamento. Para isso, utiliza dados relativos à gravidade do quadro agudo que o paciente apresenta, dados sobre a presença de doenças avançadas e dados relativos à funcionalidade (ou estado de saúde física) dos pacientes. Salienta-se que a idade dos pacientes não é utilizada como critério único de triagem. Comissões de triagem serão responsáveis por fazer a boa gestão do protocolo e de garantir sua transparência e correta aplicação. Pacientes que não forem priorizados devem ser submetidos diariamente a nova triagem se desejarem e devem continuar a receber todos os tratamentos apropriados que não estão em esgotamento, incluindo cuidados para o bom controle de sintomas como dor e dispneia (falta de ar).
Compreendemos, não obstante, que nenhuma recomendação dessa natureza deve ser lavrada em pedra; ao contrário devem ser mantidas sob a imprescindível premissa de aperfeiçoamento constante que é inerente ao espírito científico de sempre responder a novas informações e aos novos desafios sociais. O escrutínio público e das autoridades sobre um tema tão sensível deve continuar e será sempre bem salutar.
Devemos e desejamos poder prestar contas a sociedade sobre a necessidade excepcional de um processo de alocação de recursos em esgotamento para os momentos em que a capacidade de contingência foi superada. Ao mesmo tempo convocamos a todos a assumir a responsabilidade pela redução da transmissão da doença de maneira que o sistema de saúde possa oferecer a todos os pacientes os tratamentos que precisam sem necessidade de se fazer escolhas. É com grande senso de responsabilidade, portanto, que a AMB é signatária do documento Recomendações de Alocação de Recursos em Esgotamento durante a pandemia de COVID-19. Com isso estamos defendendo a condução de processos de alocação de recursos que sejam transparentes e não discriminatórios, que protejam os profissionais da saúde do peso moral e jurídico de decisões tão penosas e que acima de tudo nos permitam continuar cumprindo nossa principal missão: a de salvar o maior número possível de vidas.