AMB repudia ataque a médica que termina até em morte em hospital do Rio de Janeiro - AMB

AMB repudia ataque a médica que termina até em morte em hospital do Rio de Janeiro

Aqui prestamos solidariedade irrestrita à médica agredida e à família da idosa que veio a óbito

Empurrões, socos, cadeiras arremessadas. Foi triste demais a madrugada do domingo, 16 de julho, no Hospital Francisco da Silva Teles, no bairro do Irajá, Rio de Janeiro. De acordo com testemunhos de plantonistas à imprensa, um homem e uma mulher, pai e filha revoltados com a demora no atendimento, depredaram a unidade de saúde e espancaram a médica Sandra Lucia Bouyer Rodrigues Durante a agressão, uma idosa teve parada cardiorrespiratória e faleceu.

O agressor procurou atendimento por volta das 3h da manhã com um ferimento na mão esquerda. Classificado como paciente com menor grau de urgência e baixo risco, ele se irritou com a demora para ser atendido, invadiu a área restrita a funcionários e começou a depredar as instalações junto com sua filha.

A médica foi ofendida, ameaçada e jogada no chão pelo homem, que desferiu socos contra sua face. Sandra, única médica no plantão da unidade, levou 5 pontos na boca e ficou com hematomas e cortes pelo corpo. Um cidadão presente naquele momento relatou que em instante algum ela negligenciou assistência.

Enquanto atacada, Sandtra naturalmente não pôde acudir uma paciente de 82 anos em estado gravíssimo. A idosa entrou em parada cardiorrespiratória e morreu. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, deveria haver dois plantonistas no setor de clínica médica, mas um deles teria tido problema de saúde.

Além de lesão corporal, desacato e dano ao patrimônio público, os agressores responderão por homicídio doloso, quando há intenção de matar.

A Associação Médica Brasileira registra sua consternação com esse e outros episódios, já que, infelizmente, a violência contra médicos, em especial contra médicas, não é rara Brasil afora.

Aproveitamos para lembrar que mantemos o canal “Mulher Médica”, plataforma exclusiva para que elas denunciem ataques.

A AMB apoia o Projeto de Lei n° 2390/2022, que propõe o aumento de pena para os crimes de lesão corporal, contra a honra, ameaça e desacato contra profissionais da saúde, no exercício da profissão ou em decorrência dela.

Prestamos solidariedade irrestrita à médica agredida e à família da idosa que veio a óbito. Que a barbárie não se torne rotina.

*Com informações do G1

Testemunho

 O portal da Associação Médica Brasileira entrevistou Sandra Lúcia sobre a agressão sofrida em hospital do Rio de Janeiro. Confira:

Dra., você estava sozinha no plantão daquela madrugada?

Sim. De acordo com a escala da unidade, desde que fui contratada, deveria haver cinco plantonistas à noite e seis durante o dia, mas o meu plantão de sábado à noite sempre teve praticamente dois médicos. Só. Aquele já era o quinto plantão que eu dava sozinha. E o hospital fica em uma área de risco onde milícia e tráfego convivem, onde a violência é constante. Desde o ano passado, a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro dispensou o contrato com as empresas de vigilância. Era um pessoal uniformizado, treinado. Depois, contratou porteiros sem treinamento algum, vestindo camisetas com a palavra “acolhimento”. São apenas gerenciadores de fluxo, entendeu? Nós não temos segurança. Desde que perdemos os vigilantes, a agressividade da população aumentou de uma forma absurda, principalmente contra os médicos, enfermeiros, contra quem faz a classificação. Aliás, contra mulheres médicas, contra mulheres enfermeiras. Nós somos a maioria na profissão, e as pessoas não sabem escutar “não” de uma mulher. Partem para cima.

Como o agressor a abordou?

Por volta das 3h30, escutei barulhos bem altos no hospital. Era um homem gritando, quebrando tudo. Ele nem deveria estar ali, tinha um corte mínimo no dedo que não precisava de ponto. Ao ser preso, foi direto para a cela, não precisou de atendimento. Ele entrou na área em que eu estava, dos doentes mais graves, de acesso restrito, porque não tem vigilância, e tentou me agarrar pelas costas. Como eu vi que ele vinha na minha direção, consegui me virar e escapar do primeiro soco. Tentei afastá-lo com um braço, mas o homem tem o dobro do meu tamanho. Veio o segundo soco, que me jogou no chão. Fui pisada e levei um chute no sacro. Enquanto a violência acontecia, ele dava a entender que estava segurando uma arma, porque ficava com mão direita atrás da bermuda. Vi vários pacientes, segurando os suportes para o soro, se escondendo no banheiro. A propósito, a senhora que veio a óbito também estava nessa área do hospital, internada por um problema cardíaco. Ela infartou. E eu, que era a única médica do plantão, a única que poderia fazer alguma coisa, estava sendo agredida.

Quando veio o socorro?

Ligaram para a polícia. Parece que foram entre seis e dez chamadas para o 190. Entre o começo e o término da confusão, foram cerca de 45 minutos. Alguém, não sei quem foi, conseguiu tirar o agressor de cima de mim, e aí um enfermeiro me acudiu. Nesse meio tempo, a filha dele entrou no hospital dizendo que ia continuar a agressão. Uma situação surreal. Fiquei escondida em uma sala trancada até a polícia chegar. Só fui suturada porque um dentista estava lá. Se não, eu mesma precisaria dar cinco pontos na minha boca. Para tornar tudo ainda mais absurda, não havia outro médico. Como eu iria ao IML? Tive que pedir a um colega da ambulância para assumir o plantão. Foi uma noite de terror.

A direção do hospital tinha conhecimento da situação?

Total conhecimento. O diretor geral não é um médico, é um enfermeiro não assistencial, trata apenas da papelada. Sem falar do assédio moral explícito por parte da diretora médica. Uma das frases que ouvi dela é “Eu já fiquei sozinha um monte de vezes, por que você está reclamando?”. Hoje, por exemplo, recebemos um comunicado da Gerência de Recursos Humanos nos intimando a comparecer a uma reunião, mas eles são tão amadores que não informaram as datas. Só disseram “de segunda a sexta”. Com assinatura somente do diretor geral, sem assinatura da diretora médica. Tem que ter um médico presente.

Como você está agora?

Fisicamente, ainda com muita dor. Meu rosto está melhorando, mas levei um pontapé na região sacral, na qual existem muitos ligamentos, muitos nervos. Continuo com dificuldade para me sentar e levantar. Já fiz tomografias, não há fraturas, mas é uma dor constante. Houve uma repercussão grande pela morte da idosa, acredito. Nós somos agredidos com frequência, é algo comum. Ataques verbais acontecem quase todos os dias. Eu fiz questão de denunciar. Vários dos meus colegas, principalmente enfermeiros, não denunciam porque temem retaliações. Acho que eu não tenho tanto medo por trabalhar há muitos anos, por saber a quem recorrer. Estou sendo acolhida pelo CREMERJ, pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores, o dr. Paulo Pinheiro. Mas e se esse episódio acontecesse com um colega que mal saiu da faculdade? Seria um trauma para o resto da vida, talvez ele não quisesse mais atuar. Eu quero continuar, não pretendo sair do lugar onde estou. Um ato violento não vai destruir minha vocação. Eu vou insistir, com a esperança de que madrugadas como a do dia 16 sejam cada vez mais raras.