Gazeta do Povo – O que fazer e o que evitar ao suspeitar de intoxicação por metanol – AMB

Gazeta do Povo – O que fazer e o que evitar ao suspeitar de intoxicação por metanol

Por: Caroline Figueiredo

Tontura, náuseas, dor abdominal e confusão mental. Esses sintomas, que podem ser comuns após o consumo excessivo de álcool, também podem indicar uma ameaça grave: a intoxicação por metanol. A diferença é que, neste caso, o quadro pode evoluir rapidamente para cegueira irreversível, coma e até morte.

Profissionais de saúde indicam que ao suspeitar de intoxicação por metanol, a primeira atitude deve ser procurar atendimento médico imediato. O paciente deve ser levado a um pronto-socorro o mais rápido possível, seja por meios próprios ou por serviço de emergência (Samu 192 ou Corpo de Bombeiros 193). 

De acordo com o médico cirurgião geral e diretor de comunicação da Associação Médica Brasileira (AMB), Luiz Carlos Von Bahten, é importante manter o paciente acordado e sentado, para evitar broncoaspiração — isto é, o vômito e a aspiração. “Isso vai facilitar a respiração”, esclarece.

A pessoa deve ser mantida aquecida, pois pode ficar hipotérmica. Caso esteja deitada, a posição correta é de lado. “Quando o socorro chegar, é importante informar o tipo e a quantidade da bebida consumida, o tempo aproximado da ingestão, sintomas e sinais observados e, se possível, apresentar o rótulo, embalagem ou garrafa”, indica o médico.

O que não fazer em casos de suspeita de intoxicação por metanol

Von Bahten orienta sobre medidas que as pessoas não devem fazer em casos de suspeita de intoxicação por metanol. São elas:

  • não provocar vômitos, pois pode causar aspiração e piorar o quadro respiratório;
  • não oferecer leite, água, café, vinagre ou remédios caseiros;
  • não oferecer outras bebidas alcoólicas para cortar o efeito do metanol sem orientação médica.

De acordo com o Ministério da Saúde, casos em investigação de intoxicação por metanol ultrapassam o número de 200, em diversos estados. Foram notificadas 15 mortes — duas confirmadas em São Paulo e 13 ainda em apuração.

Por que o metanol é perigoso ao organismo

O metanol, também conhecido como álcool metílico, é um líquido incolor, volátil e altamente inflamável, usado em solventes, combustíveis e produtos de limpeza. Não é próprio para consumo humano. Seu odor é semelhante ao do etanol (álcool comum), o que o torna particularmente perigoso, pois é impossível distingui-lo de uma bebida alcoólica legítima apenas pelo cheiro ou aparência.

Apenas análises laboratoriais podem confirmar a presença de metanol na composição ou mistura. Após a ingestão, o trato gastrointestinal absorve o metanol em poucos minutos, e o fígado metaboliza a substância por meio da enzima álcool desidrogenase, transformando-o em formaldeído e ácido fórmico — substâncias altamente tóxicas que danificam o sistema nervoso, o fígado e o nervo óptico.

Especialistas reforçam o alerta para que consumidores evitem produtos de origem duvidosa. (Foto: João Valério/Governo de São Paulo)

Segundo a médica intensivista e nefrologista Mirella Oliveira, o ácido fórmico inibe a respiração celular, comprometendo a produção de energia, e gera acúmulo de ácido no sangue (acidose metabólica). Isso causa falta de oxigênio nas células, especialmente em tecidos sensíveis como o nervo óptico e o cérebro.

“Enquanto o etanol é metabolizado em compostos que o corpo consegue eliminar, o metanol gera produtos altamente tóxicos e de eliminação lenta, o que o torna muito mais perigoso”, explica.

Intoxicação por metanol contempla três fases 

  • Fase inicial (6 a 12 horas após a ingestão): o paciente pode ter sintomas semelhantes a embriaguez, como náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, sonolência e dor de cabeça.
  • Segunda fase (12 a 24 horas após a ingestão): surgem manifestações mais graves, como falta de ar, visão borrada, fotofobia (dificuldade de ficar na luz), dor ocular e pupilas dilatadas. Também podem ocorrer confusão mental, agitação, convulsões e coma. A frequência cardíaca fica elevada e a pressão baixa. Pode haver a presença de hálito com odor adocicado, característico da intoxicação por formaldeído.
  • Terceira fase: a intoxicação evolui rapidamente com insuficiência respiratória, colapso cardiovascular, cegueira irreversível e, perdurando os sintomas, ocorre morte por falência múltipla dos órgãos.

Como o metanol contamina bebidas

Oliveira destaca que a presença do metanol em bebidas pode ocorrer por:

  • adulteração intencional: quando criminosos utilizam o produto para baratear a produção;
  • erros em destilação artesanal;
  • uso de álcool industrial ou combustível como base para bebidas falsificadas;
  • contaminação acidental em processos de fabricação ou envase inadequados.

Profissionais realizam o tratamento eficaz com antídotos em ambiente hospitalar

O antídoto oficial no Brasil para intoxicação por metanol é o etanol farmacêutico, produzido por laboratórios e farmácias de manipulação em grau de pureza adequado para uso médico. Os profissionais podem administrar o antídoto por via intravenosa ou oral, sempre sob controle hospitalar.

Os médicos usam o etanol como antídoto porque ele tem maior afinidade pela enzima álcool desidrogenase do que o metanol. O mesmo vale para o fomepizol, que é um inibidor seletivo e evita a evolução da doença. 

Ministério da Saúde amplia a distribuição de antídotos e intensifica o monitoramento de intoxicações por metanol. (Foto: Pablo Jacob/Governo de São Paulo)

As autoridades enviaram o etanol farmacêutico aos estados que solicitaram reforço de estoque. Além disso, o Ministério da Saúde anunciou a aquisição de 12 mil unidades adicionais de etanol farmacêutico e 2,5 mil unidades de fomepizol.

Casos suspeitos devem ser informados

O profissional de saúde que identificar um possível caso precisa notificar o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) da região, responsável por orientar o tratamento e registrar a ocorrência. Existem 32 centros CIATox em 19 estados brasileiros, com equipes multidisciplinares formadas por médicos, enfermeiros e farmacêuticos.

Para apoiar os profissionais de saúde no atendimento a pacientes, o Comitê de Farmacologia Aplicada, Toxicologia e Farmacovigilância da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) elaborou uma nota técnica de consulta rápida sobre suspeita de intoxicação por metanol, com orientações para diagnóstico e condução clínica, fundamentadas nas diretrizes do Ministério da Saúde e na literatura especializada em Toxicologia.

Como se proteger?

Para evitar a intoxicação por metanol, as recomendações são:

  • comprar apenas em locais confiáveis e registrados
  • verificar lacres, selos e rótulos
  • desconfiar de preços muito abaixo do mercado
  • evitar produtos sem identificação ou vendidos a granel
  • observar alterações de cor, cheiro ou sabor, embora nem sempre sejam perceptíveis
  • em períodos de alerta sanitário, evitar completamente bebidas de origem duvidosa
  • procurar ajuda médica imediata diante de sintomas atípicos após consumo

“O melhor método de prevenção é evitar produtos sem procedência e desconfiar de ofertas muito baratas ou bebidas vendidas informalmente”, orienta a médica intensivista.

Há 20 anos, série médica retratou uso de etanol para intoxicação por metanol

Há 20 anos, a série médica House já retratava o tema. No episódio “Aceitação”, de 2005, um prisioneiro apresentava sintomas graves após ingerir fluido de copiadora — que contém metanol. O médico vivido pelo ator Hugh Laurie descobriu o envenenamento e ofereceu doses de tequila como forma de tratamento emergencial.Na ficção, a bebida alcoólica serve como antídoto porque o etanol impede a conversão do metanol em ácido fórmico — o mesmo princípio usado na medicina real. Porém, é importante lembrar que a conduta correta é buscar atendimento médico especializado o mais rápido possível.

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Fonte: Gazeta do Povo