“O que vimos foram óbitos incontáveis, pacientes muito graves e, assustadoramente, muito jovens” - AMB

“O que vimos foram óbitos incontáveis, pacientes muito graves e, assustadoramente, muito jovens”

O testemunho emocionado do dr. Matheus Merlin Felizola, um dos médicos da Força-tarefa AMB Covid-19

“Cheguei em Manaus na madrugada de 10 para 11 de fevereiro. Logo em seguida, bem cedo, já estava no plantão na UTI de campanha do Hospital Nilton Lins.

A UTI havia sido aberta há menos de uma semana, então certos fluxos estavam desorganizados. Ficou claro que havia muito trabalho a ser feito. Além disso, conversando com os colegas manauaras, ficou evidente o cansaço da equipe como um todo – médicos, enfermeiros, técnicos e fisioterapeutas.

Parte do cansaço, inclusive mental, vinha dos dias de colapso com falta de oxigênio. Diversos colegas viveram esse pesadelo, que ainda está fresco na cabeça de todos.

Durante três dias, fui escalado para plantões diurnos no hospital com as dras. Cyntia Naomi e Letícia – também médicas da força-tarefa. Junto com alguns colegas locais, como o dr. Wagner e a enfermeira. Mara, conseguimos criar determinadas rotinas para melhorar o serviço, como a passagem da ronda na beira do leito e a criação de um grupo para obter com mais facilidade as radiografias dos pacientes.

Bom, após esses três dias, fui deslocado para a UTI do HPS Platão Araújo. Lá tive o prazer de trabalhar com grandes médicos da força tarefa AMB-COVID. Nós todos, junto com os colegas manauaras (com destaque para enfermeira Emília Maeda), também conseguimos ajudar no cuidado de pacientes muito graves.

No total, foram seis dias de plantão na UTI do HPS Platão Araújo de muito, muito, muito trabalho. E infelizmente muitos óbitos. Apesar do esforço de toda equipe, o que vimos foram pacientes muito graves e, assustadoramente, muito jovens.

Entre as tarefas que tínhamos para fazer, coube a mim, durante três dias, a realização dos boletins médicos por telefone e essa talvez tenha sido a tarefa mais difícil de todo o período que estive aqui. Falar para uma pessoa que seu familiar está em estado grave, que pode morrer mesmo com todo o suporte, é complicado em qualquer situação, mas por telefone é especialmente difícil.

Como fazer isso mantendo a humanidade e acolhendo as famílias? Imagine a situação de ter que fazer isso com 20 famílias diferentes e responder aos anseios de todos.

Foi possível perceber diferentes formas com as quais os familiares lidavam com as informações. Alguns, mais passivos, apenas escutavam e respondiam: “Vamos continuar orando e confiando em vocês”.

Outros, mais agressivos, eram algo ríspidos, talvez jogando em nós a responsabilidade pela doença.

E ainda alguns mais ativos, questionadores, perguntavam sobre FiO2, saturação, noradrenalina, para os quais eu me preocupava em passar dados, para o conforto dos familiares, mas sempre com a ressalva de que, fora do contexto, eram apenas informações soltas. No geral, independentemente do perfil do familiar, a sinceridade de que estávamos fazendo o máximo sempre os confortava.
Por fim, deixo Manaus mudado com o que vi. Com um misto de orgulho, por termos feito pequenas diferenças, e de impotência, por termos presenciado tantos óbitos.

AGRADECIMENTO AOS COLEGAS

Não posso deixar de agradecer aos colegas da força-tarefa AMB COVID que embarcaram nessa missão.

Primeiro gostaria de deixar registrado o orgulho que foi ver diversos médicos recém-formados, que, a despeito da pouca experiência, não se omitiram e vieram, dentro das suas capacidades, ajudar os doentes manauaras.

É sempre revigorante atuar ao lado de médicos novos e ver o zelo e preocupação com que cuidam dos pacientes. Faço questão de registrar o nome do todos que compartilharam esse período comigo: drs. Lucas Menezes, Lucas Caetano, Diego, João Paulo, Kenji, Gustavo, Higor, Verônica, Flávia, Caroline, Nicole, Camila, Cyntia Naomi e Letícia.

Agradeço também aos colegas mais experientes, que saíram de sua zona de conforto e atenderam ao chamado da AMB em um momento de tanta necessidade. Obrigado dra. Muriel, dra. Marília e dra Cibele.

Por fim, deixo o agradecimento, e os votos de que esse pesadelo acabe logo, aos colegas Manauaras, que têm atendido no olho do furacão desde a primeira onda da COVID-19. Ao longo de dez dias, tive o prazer de atender ao lado de diversos profissionais excepcionais, que me ensinaram muito e foram muito “parceiros” ao longo dos plantões. Deixo agradecimentos especiais ao dr. Wagner (diarista da UTI do hospital Nilton Lins), a enfermeira Mara (UTI Nilton Lins), a enfermeira Emília Maeda (UTI HPS Platão Araújo) e ao fisioterapeuta Vinícius (HPS Platão Araújo).”