Associação Médica Brasileira e FMUSP lançam novo estudo sobre oferta e distribuição de médicos e de especialistas no Brasil
Primeiro levantamento pós censo do IBGE mostra desproporções gritantes entre crescimento da população e de número de médicos, má distribuição regional, concentração em poucas capitais, distribuição insuficiente e desigual de especialistas
A Faculdade de Medicina da USP e a Associação Médica Brasileira (AMB) acabam de lançar a atualização do estudo Demografia Médica no Brasil 2023, à luz dos mais recentes dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo contempla resultados do recenseamento populacional, que contabilizou 10 milhões de pessoas a menos em realação a estimativas anteriores do IBGE.O Brasil tem 545.7671 médicos para um total de 203.062.512 habitantes. A razão, portanto, é de 2,69 profissionais de Medicina por 1.000 cidadãos.
A oferta e a distribuição dos médicos no país é analisada segundo as grandes Regiões, unidades da Federação e municípios. A comparação do Brasil com outros países, a projeção da oferta de profissionais até 2035, a distribuição de especialistas e de estudantes de medicina completam este materialsuplementar ao estudo Demografia Médica no Brasil de 2023.
Especialistas: concentrados e para poucos
A distribuição de especialistas, assim como dos médicos em geral, é desigual no Brasil. Temos 1,58 médico especialista por 1.000 habitantes, considerando todos os profissionais titulados em pelo menos uma das 55 especialidades médicas reconhecidas e a população do Censo 2022 do IBGE (Figura 8, anexo).
Em todas as especialidades estudadas há desigualdade de distribuição de médicos entre as unidades da Federação. Mas, em algumas delas, os médicos estão ainda mais concentrados em certos estados. A taxa de cirurgiões por 100 mil habitantes no Pará (10,46), por exemplo, é seis vezes menor do que no Distrito Federal (60,84). A densidade de anestesiologistas no Maranhão (4,40 por 100 mil), em outro exemplo, é cinco vezes menor que no Rio de Janeiro (22,54 por 100 mil). Já a média nacional de Medicina de Família e Comunidade, uma das especialidades demandas nos serviços de Atenção Primária, é de apenas 5,54 para 100 mil habitantes, sendo que 15 estados estão abaixo dela.
Defasagem na oferta de residência médica em relação à oferta de graduação
Ao analisar a evolução nacional da taxa de estudantes de medicina por 1.000 habitantes comparada à taxa de médicos cursando Residência Médica (RM) por 1.000 habitantes (Figura 8), percebe-se grande defasagem entre a oferta do ensino de graduação (1,05 estudantes por 1.000 habitantes em 2021) e a oferta da formação especializada (0,21 médicos residentes por 1.000 habitantes). De 2015 a 2023 houve aumento de 57% na oferta de vagas de RM no Brasil, passando de 29.696 para 46.610 vagas, considerando médicos cursando programas de R1 a R6. Entretanto, a disponibilidade de vagas de primeiro ano de residência (R1) não tem sido suficiente para acompanhar o aumento do número de médicos graduados. Além disso, a oferta continua concentrada – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm juntos mais de 60% das vagas de RM.
Outros números relevantes
De acordo com o IBGE, a população brasileira cresceu 291%, de 51,9 milhões de habitantes em 1950 para 203 milhões em 2022. No mesmo período, o número de médicos saltou de 22,7 mil para 545,7 mil – crescimento de 2.301% (Tabela 1, anexo).
No intervalo entre os dois censos mais recentes, o crescimento da população brasileira desacelerou em relação a contagens anteriores, aumentando 6,5%, um acréscimo de 12,3 milhões de habitantes em 12 anos. Já a população de médicos, no mesmo período, cresceu 70,3%, um aumento de 225.290 profissionais em 12 anos. O crescimento está relacionado à grande abertura de cursos e vagas de graduação em medicina.
Densidade médica
Com 2,69 médicos por 1.000 habitantes, o Brasil possui densidade médica próxima a dos Estados Unidos, Japão, Canadá e Chile. Já Reino Unido, França, Alemanha e Espanha têm densidade médica maior (Figura 2, anexo). Seguimos abaixo da média dos países da OCDE, que é de 3,7 médicos por 1.000 habitantes.
Ressalta-se que não existe norma ou padrão de densidade mínima de médicos recomendados para os países. No caso brasileiro, a intensidade da distribuição desigual de médicos no território e as características do sistema de saúde, que geram maior concentração de profissionais no setor privado do que no SUS, proporcionalmente às populações cobertas, exigem cautela na comparação da taxa nacional com a de outras nações.
Distribuição regional
Considerando 2,69 médicos por 1.000 habitantes no país como um todo , duas das grandes regiões estão abaixo da média nacional: o Norte, com 1,65, e o Nordeste, com 2,09 (Tabela 2, anexo). É a primeira vez, no entanto, que o Nordeste passa a registrar mais de dois médicos por 1.000 habitantes, embora com diferenças entre os estados da região. O Sudeste tem a maior densidade médica (3,62), seguido de Centro-Oeste (3,28) e da região Sul (3,12).
As disparidades seguem gritantes: enquanto o Distrito Federal tem seis médicos por 1.000 habitantes, o Maranhão tem apenas um.
Desigualdade entre Estados
Dezenove estados, nenhum deles das regiões Sudeste e Sul, têm taxa de médicos por habitantes abaixo da média nacional. Sete estados têm menos de dois médicos por 1.000 habitantes. São Paulo é o estado mais populoso e o terceiro com mais médicos por habitantes. Já Roraima tem o menor número de habitantes (636 mil) e é o sexto estado com menor densidade médica. O DF ultrapassou a marca de seis médicos por 1.000 habitantes, maior densidade do país, seguido de Rio de Janeiro (4,19) e São Paulo (3,57). Com os ajustes da base populacional, Espírito Santo (três médicos por 1.000 habitantes) e Minas Gerais (3,30) passaram à frente de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que antes tinham maior densidade de médicos. Paraíba continua sendo o estado do Nordeste com mais médicos por 1.000 habitantes (2,89). Em relação à demografia médica observada anteriormente , alguns estados subiram posições no ranking de médicos por 1.000 habitantes, a exemplo de Piauí, agora com 2,34, e Rondônia (2,67). Outros, como Pernambuco (2,31) e Mato Grosso (2,23), caíram de posições.
Concentração nas capitais
Nove capitais – Salvador, Natal, Belém, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória e Fortaleza – tiveram retração populacional nos últimos 12 anos segundo o Censo 2022. Nas demais capitais, a população aumentou, com os maiores crescimentos registrados em Palmas, Florianópolis, Cuiabá, João Pessoa e Manaus. Assim, houve alterações na taxa de médicos por habitantes (Tabela 4) em relação à edição anterior do estudo Demografia Médica no Brasil . Florianópolis, por exemplo, registra quase dois médicos por 1.000 habitantes a menos. A taxa também diminuiu em Cuiabá e São Luiz. Vitória, que já era a capital brasileira com maior densidade médica, tem agora 18,14 médicos por 1.000 habitantes, um acréscimo de 3,65 após o ajuste populacional. A capital do Espírito Santo é seguida por Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte e Recife, todas com mais de oito profissionais por 1.000 habitantes (Tabela 4). No outro extremo das capitais, com menos de três médicos por 1.000 habitantes, estão Macapá (2,21), Boa Vista (2,68) e Manaus (2,77).
Aproximadamente 70% de médicos estão concentrados onde vivem menos de 30% da população
A desigualdade na distribuição de médicos no Brasil fica ainda mais evidente no agrupamento de municípios segundo estratos populacionais e com base no Censo 2022 do IBGE (Tabela 5, anexo). Dentre os 5.570 municípios do país, 3.861 (69,3%) têm até 20 mil habitantes. Juntas, essas cidades têm cerca de 31,9 milhões de habitantes ou 15,8% da população brasileira. Nesse mesmo conjunto estão apenas 16,7 mil médicos, ou 2,8% do total de profissionais do país. Inversamente, nas 41 cidades com mais de 500 mil habitantes, onde vivem 29% da população nacional, estão concentrados 61,5% dos médicos. As 319 cidades com mais de 100 mil habitantes concentram 57% dos habitantes e 85,5% dos médicos do país.
Projeção: mais de um milhão de médicos até 2025
Em 2035, conforme três cenários considerados pelo estudo Demografia Médica, o Brasil terá de 1 a 1,3 milhão de médicos. As projeções consideraram a taxa de crescimento populacional observada pelo IBGE entre 2010 e 2022 e distintas hipóteses de intensidade de abertura de cursos e vagas de medicina.
Sobre o estudo Demografia Médica
O estudo Demografia Médica no Brasil é coordenado pelo Professor Mário Scheffer, livre-docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atualmente o estudo integra Cooperação Técnica entre USP e Associação Médica Brasileira (AMB) ; e conta com parcerias com Ministério da Saúde (Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde – SGTES), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Fundação Faculdade de Medicina (FFM).
Confira abaixo a atualização da Demografia Médica na íntegra.