Por Dra. Anelisa Coutinho
Considero-me uma privilegiada. Mesmo depois de tantos anos de formada, tenho a alegria de dizer que acordo feliz para trabalhar todos os dias, tendo a certeza de que fiz a escolha certa para a minha carreira. Ao longo da vida, temos de optar por diferentes caminhos e oportunidades a todo instante. Quando adolescente, por uma profissão. Quando médico formado, por uma especialidade. Quando especialista, por uma área de atuação – e por aí vai. Digo, por isso, que nossas escolhas sempre têm de servir a um objetivo.
Faço esse preâmbulo para refletir um pouco sobre as possibilidades e os desafios dos jovens oncologistas, mote da mais recente edição da Revista Oncologia&Oncologistas e tema cada vez mais caro à Diretoria da SBOC.
Quando somos jovens e precisamos fazer escolhas importantes, geralmente estamos em uma fase que temos pouca maturidade e experiência. O que nos sobra então são ideias e sonhos em relação a nossas expectativas. E o que optarmos naquele período de vida irá nos permear na profissão.
Mesmo depois de nos tornarmos oncologistas clínicos, ainda temos que decidir qual rumo seguir. O que pode nos auxiliar neste momento é procurar estar próximo das pessoas que admiramos, indivíduos cujo exemplo deve ser seguido. Ter bons mestres é fundamental no início da carreira.
Contando com boas referências, podemos nos defrontar com algumas questões, tais como: ser um oncologista especialista ou generalista? Atuar no sistema público ou privado? Na assistência, pesquisa ou gestão? Nem sempre temos clareza do que queremos, mas é importante testarmos e ver o que nos faz mais feliz. Onde você desenvolverá a sua carreira também pode ser fundamental. Um generalista, por exemplo, é muito mais necessário em uma cidade interiorana ou com pouca oferta de profissionais.
Tudo isso deve ser levado em conta e, repito, é preciso prestar atenção ao que nos traz felicidade. Afinal, temos um propósito enquanto oncologistas. É uma especialidade difícil, sofrida, que traz sentimentos ambíguos a familiares e pacientes. Nunca podemos perder essa sensibilidade, mesmo atendendo dezenas de pacientes com o mesmo diagnóstico. Para eles, sempre será a primeira vez. A realização em nossa função precisa existir para não perdermos a delicadeza do cuidar.
Outro aspecto ao qual os jovens devem se atentar é o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Estaria mentindo se dissesse que, mesmo hoje, consigo separar plenamente essas duas esferas. Mas há alguns pontos para tornarmos essa relação mais saudável.
Antes, é preciso eliminarmos ilusões. Em tudo na vida, precisamos colocar esforço e enfrentar sacrifícios. Existem noites e eventos perdidos, sim. Além disso, na oncologia as atualizações se impõem a cada momento e somos sempre exigidos pela evolução da ciência e por nós mesmos. Se você acredita, aliás, que quanto mais degraus subir na carreira, mais tempo terá, tenho uma notícia: é justamente o inverso.
Por outro lado, vejo que a sociedade mudou para melhor. Quando me formei, era quase vergonhoso dizer que estava saindo de férias, soava como preguiça. Eu e muitos colegas passamos anos sem descanso. Hoje, nós valorizamos esse momento e há regras e normas. Enxergamos que o bem-estar é importante para o bom desempenho no trabalho.
Para que tenhamos um ambiente saudável que nos permita separar melhor os âmbitos pessoal e profissional, o espírito de grupo é fundamental. Quando trabalhamos em equipe, dividindo tarefas e suprindo a ausência de algum colega, certamente somos retribuídos no futuro. Os próprios pacientes compreendem a importância desse momento de recarregar energias.
Precisamos, ainda, ser flexíveis. Às vezes, seremos demandados em momentos extras, mas sabendo que é excepcional. Afinal, precisamos também dar atenção à nossa saúde. Digo a meus pacientes que eles têm que se alimentar, se exercitar e dormir bem, e eles me questionam se faço o mesmo. “Sim, faço!”, respondo. Temos que dar o exemplo a eles e, em nossa casa, àqueles que convivemos.
Sabendo o caminho a trilhar e mantendo um equilíbrio saudável na carreira, o jovem oncologista irá se deparar com uma enorme gama de possibilidades empolgantes. Hoje, a tecnologia e a mudança de paradigma nos tratamentos são muito rápidas. Veja a imunoterapia. Quando achávamos que sabíamos tudo, fomos aprender novamente. Sistema imune, genética, terapia gênica… quando achamos que iríamos utilizar tanto esses temas enquanto oncologistas?
O desafio deve motivá-los. É isso que faz a oncologia tão apaixonante: um novo desafio para desbravar quando achamos que estamos estagnados. Por isso, temos sempre que estar abertos a aprender.
Ao mesmo tempo, não podemos tentar abraçar tudo de uma vez. É importante que os jovens percebam em que área possuem mais habilidade, qual especialidade os fará felizes, quais campos precisam de mais profissionais. Equilibrando, sempre, a criatividade e o dinamismo inquietante da juventude com a paciência. Não conseguiremos em minutos aquilo que leva anos. Em relação aos mais experientes, esses serão mais perenes o quanto mais tiverem a capacidade de se adaptar aos jovens e às novidades.
Esses são temas amplos, mas que refletem exatamente o quanto podemos extrair das situações com as quais nos deparamos, sobretudo no início de nossas carreiras. São pontos que se ligam. Caminhando junto com outros colegas, sempre iremos somar.
Por fim, vejo a nova oncologia, os jovens oncologistas e este momento da SBOC com muito entusiasmo. Justamente por essa junção do olhar dessa Diretoria para o jovem, que pretende aproveitar o que esse profissional pode trazer de bom para a nossa Sociedade, ao mesmo tempo que atua para tornar o seu caminho mais fácil e com mais oportunidades.
Dra. Anelisa Kruschewsky Coutinho
Presidente Eleita da SBOC. Oncologista clínica e diretora do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG).